domingo, 30 de novembro de 2008

Yehudi Menuhin tocando o "Moto Perpétuo" de Paganini - 1947




O compositor: Nicoló Paganini (1782 - 1840) é provavelmente o maior gênio do violino na história da música. Além de ter sido um grande virtuose (seu virtuosismo revolucionou a linguagem do instrumento), ele foi também um grande compositor e compôs várias obras basimente para esse instrumento, entre elas 6 concertos para violino e orquestra e 24 caprichos (capricci) para violino solo. A influência da obra de Paganini é tão grande que podemos considerar os dois primeiros concertos para violino, os 24 capricci, e o Moto Perpétuo, opus 11 como uma espécie de "Novo Testamento" para todos os violinistas posteriores (o "Antigo Testamento" seriam as Sonatas e Partitas de Bach)

Pretendo, futuramente, postar mais sobre ele, incluindo sua biografia, obras e principais gravações. Por ora, sugiro a leitura de alguns sites na internet:




(em português)




(em inglês)


O intérprete: "Lord" Yehudi Menuhim of Stoke d’Abernon ou (1916 -1999) nasceu em Nova York, EUA, mas permaneceu a maior parte da carreira no Reino Unido, tendo se naturalizado suiço em 1970 e inglês em 1985. Foi um dos maiores violinistas do século XX e é um dos grandes exemplos de uma longa tradição de escepcionais violinistas de origem judaica (como Joseph Joachim, Frtiz Kreisler, Jascha Heifetz, David Oistrah, Nathan Milstein, Isaac Stern, Pinchas Zukermann, Joshua Bell, Gidon Kremer, Schlomo Mintz, Michael Rabin, Vladimir Spikanov, Maxim Vengerov e Itzhak Perlman) e, na minha modestíssima opinião, um dos três maiores violinistas do século passado (os outros dois seriam Kreisler e Heifetz).
Boas informações sobre sua carreira podem ser obtidas aqui: http://en.wikipedia.org/wiki/Yehudi_Menuhin


A obra: O Moto Perpetuo, opus 11, é um desafio não apenas para violinistas, mas também para outros instrumentistas. A melodia da composição é formada por uma sequência extremamente longa de semicolcheias, sem pausas, sem notas longas e sem descanso – e o andamento é bem rápido (145 bpm). A qualidade que mais se desenvolve no estudo de Moto Perpetuo é a resistência, pois qualquer descuido ou desconcentração pode levar ao erro e à perda da sequência da melodia.

terça-feira, 7 de outubro de 2008

Giuseppe Di Stefano cantando "Salut! Demaure chaste et pure" da "Faust" de Charles Gounoud

O Tenor: Giuseppe Di Stefano (1921 - 2008), é, na minha modestíssima opinião, um dos três maiores tenores dos Séculos XX e XXI (os outros dois são Enrico Caruso e Beniamino Gigli). Ele ficou conhecido principalmente pelas óperas em que atuou e gravou juntamente com Maria Callas e Titto Gobbi (entre 1951 e 1957, formando, assim, o trio - tenor/soprano/barítono - mais importante da história da ópera) e pelo belo timbre da sua voz (é considerado por muitos como o dono da mais bela voz do canto lírico).

Di Stefano ficou conhecido pela sua dicção perfeita em italiano e francês (talvez a melhor dicção entre os grandes tenores), pela capacidade quase inigualável para fazer "pianissimos" e "diminuendos", pela emoção que colocava em cada nota (a capacidade que ele tinha para transimitir emoção somente é igualada por Caruso, Gigli, Del Monaco, Lanza e outros raríssimos nomes), pela sua notável qualidade como ator (um grande maestro italiano, Victor De Sabata, o igualava aos maiores atores de teatro italianos), pela forma natural como ele cantava (Di Stefano sempre defendeu que o cantor de ópera deveria "cantar como se estivesse falando", ou seja, cantar com a mesma naturalidade como se estivesse apenas conversando. E ele levava isso muito seriamente e até às últimas consequências), pelo seu "dó de peito" (o dó agudo, a nota mais aguda da escala normal de um tenor) - que era algo único na história da ópera - e pela sua belíssima voz, que era uma das vozes mais puras de tenor que o mundo já ouviu até hoje.

Pippo (apelido pelo qual ele ficou conhecido) nasceu em 24 de julho de 1921 em Mota Santa Anastasia, um vilarejo perto de Catania, na Sicilia, Itália. Era filho de um "carabineri" e de uma costureira. Logo cedo foi estudar em um colégio jesuíta em Milão, onde inicialmente sentiu vocação para o ofício religioso. Contudo, percebendo a bela voz que tinha, começou a ter aulas de canto. Inicialmente ele cantou em dois coros masculinos em Milão e se apresentou em dois concursos de canto (em Milão e em Florença) em 1938 e ganhou ambos. Também se apresentou em cafés, restaurantes (Odeon, em Milão) e cinemas (Cristallo, Milão), onde cantava antes da projeção dos filmes, sempre oscilando entre o repertório operístico, canções napolitanas e os últimos hits de músicas para dançar. Nos anos seguintes (1938-1940), ele cantou no coro do La Scala em Milão, como tenor. Em 1940, ele passou a ter aulas com um obscuro barítono, Luigi Montesano, que viria a ser seu mestre e do qual sempre viria a falar com o mais profundo respeito.

Giuseppe Di Stefano começou sua carreira efetivamente depois do inicio da Segunda Guerra Mundial. Ele foi afastado do serviço militar por problemas respiratórios. E, como só sabia cantar, passou a fazê-lo dentro e fora dos campos militares, ficando famoso em Milão sob o pseudônimo de Nino Florio. Quando os alemães chegaram à Lombardia, em 1943, ele fugiu para a Suíça, onde cantou em campos de refugiados. Na Suiça, ele intepretou na Radio Suisse Romande, em Lausanne, trechos da "Elixir D'amore" de Gaetano Donizetti e "Il Tabarro" de Giácomo Puccini, bem como canções italianas. Em Zurique, Di Stefano chegou a gravar músicas italianas pela EMI (1944).

Em 1945 ele retorna para a Itália e para Milão e retoma as aulas com Montesano. Em 1946 Di Stefano grava novamente canções para a EMI, ainda sob o pseudônimo de Nino Florio. Seu "debut" profissional veio a ocorrer em 20 de abril de 1946, em Reggio Emilia, na ópera "Manon" de Jules Massenet, intepretando "Des Grieux". Sua ascenção como tenor foi meteórica: em 1946 ele cantou em várias cidades do norte da Itália (Bolonha, Ravenna, Veneza); ainda em 1946 ele já fazia seu "debut" internacional no Liceu de Barcelona, na Espanha; em 1947 ele debuta no Scala de Milão também como "Des Grieux" na Manon de Jules Massenet e em fevereiro de 1948 ele se apresenta pela primeira vez no Metropolitan de Nova York, como o "Duque de Mântua" na ópera "Rigoleto" de Giuseppe Verdi. Resumindo: com apenas dois anos de carreira, ele já havia cantado nas duas maiores casas de ópera do mundo. Ele se tornou a sensação lírica do Metropolitan de Nova York entre 1948 e 1952 (nesse período ele esteve no MET em mais de 100 apresentações). Esse período áureo só foi interrompido, apesar da imensa popularidade alcançada por ele nessa época, em virtude de uma divergência entre o tenor e os diretores do Metropolitan (especialmente com Rudolph Bing), que gerou até uma disputa judicial que acabou fazendo com que o Metropolitan o aceitasse para a temporada de 1955/1956..

Em 1951, houve o encontro entre Giuseppe Di Stefano, a maravilhosa soprano grega Maria Callas e o barítono Titto Gobbi. Isso ocorreu aqui no Brasil, no Teatro Municipal de São Paulo em uma apresentação da "La Traviata" de Giuseppe Verdi. Em 1952 houve outra noite espetacular e memorável com Callas e Di Stefano se apresentando na "I Puritani" de Vicenzo Bellini. No Natal do mesmo ano o par voltou ao Scalla de Milão para cantar "La Gioconda" de Amilcare Ponchieli. Esse "trio" (Di Stefano/Callas/Gobbi) iria se tornar o mais importante trio de tenor, soprano e barítono do século XX e provavelmente da história da ópera. A harmonia e o entrosamento entre eles era quase mágico e os três tinham as mesmas características como cantores de ópera.

Di Stefano, Callas e Gobbi gravaram 10 óperas juntos e todas essas gravações são referências até hoje. Destacamos aqui as excelentes gravações da Tosca de Giácomo Puccini em 1953, da Lucia de Lamemoor de Gaetano Donizetti também de 1953, da I Pagliacci de Ruggero Leoncavallo de 1954, Un Ballo in Maschera de Giuseppe Verdi de 1956 e da Manon Lescault de Giácomo Puccini em 1957.

A partir de 1955, Di Stefano decide mudar de repertório de forma a interpretar papéis destinados a um tenor de tessitura mais grave e pesada (tenor lírico-spinto). A partir de 1955, Giuseppe Di Stefano passou a cantar, com freqüência, óperas que não eram adequadas à sua voz de tenor lírico, como Carmen de Georges Bizet (como D. José), Il Trovatore de Giuseppe Verdi (como Manrico), Aida também de Giuseppe Verdi (como Radamés), Íris de Piero Mascagni (como Osaka), La Forza del Destino de Giuseppe Verdi (como D. Alvaro), Turandot de Giacomo Puccini (como Calaf) e Andrea Chenier (como Andrea Chenier) de Umberto Giordano.

A partir de 1959, o grande tenor começou a ter sérios problemas com a voz. Não existe consenso sobre quais foram os reais motivos do seu declínio vocal. Alguns afirmam que Di Stefano usava uma técnica equivocada (ele não cobria corretamente as notas do passagio médio-agudo); outros defendem que o problema foi a mudança prematura de repertório; há ainda a tese defendida pelo próprio Di Stefano sobre uma doença respiratória - asma - que ele teria adquirido em um apartamento que ele possuia em Milão em meados da década de 50. O que parece mais razoável é que tenha havido um conjunto de fatores: a técnica equivocada, a mudança do repertório, a doença respiratória, a personalidade do tenor (como já disse outro grande tenor, Mario Del Monaco, Giuseppe Di Stefano tinha um temperamento dramático e um "instrumento" lírico), sua maneira de viver (Di Stefano bebia, fumava e jogava), a ênfase que ele dava à dicção (o que exigia muito da voz), e outros fatores que poderiam também ser acrescentados.

Os problemas vocais já eram perceptíveis desde 1959, mas ficaram mais evidentes em 1961, quando sua interpretação de Mário Cavaradossi na Tosca de Giácomo Puccini foi mal recebida pelo público do Covent Garden. Em 1963, ele retornaria ao mesmo Covent Garden e mal conseguiria terminar o primeiro ato da ópera La Bohéme de Puccini. Nessa oportunidade, ele foi substituído por um tenor que o tinha como ídolo, um jovem cantor italiano muito promissor que havia debutado dois anos antes. Seu nome era Luciano Pavarotti.

Em meados da década de 60, Di Stefano reduziu suas apresentações a recitais e concertos. Cantou com certa freqüência em Viena entre 1964 e 1965. Em 1964 tentou cantar Rienzi de Richard Wagner e até que se saiu bem, mas uma nova montagem da ópera acabou sendo cancelada em Buenos Aires em 1965. Em 1966, com a voz já muito prejudicada, Di Stefano cantou Otello de Giuseppe Verdi em Pasadena, Estados Unidos, junto com seu antigo amigo, Titto Gobbi, mas a apresentação não foi bem recebida. Di Stefano continuava a ser o mesmo grande ator que sempre fora, mas sua voz já não era mais a maravilha dos anos 40 e 50. Em 1967 ele teve algum sucesso com a ópera "L'incoronazione di Poppea" de Cláudio Monteverdi e fez uma tournée pela Alemanha Estados Unidos, Canadá e Áustria com a opereta Das's Land des Lächelns de Franz Lehar.

Entre 1961 e 1964, Di Stefano fez várias e inestimáveis gravações de canções napolitanas. Apesar de sua voz não conseguir mais cantar óperas inteiras, ele conseguia cantar canções com quase a mesma voz dos anos 50. Destaco aqui: "Lacrime Napulitane" (1964), "Musica Proibita" (1961), "Core N'grato" (1964), "Tu ca nun chiagne" (1964), e "Rondine al nido" (1963).

Nas décadas seguintes, as apresentações do tenor siciliano se tornariam raras. Em 1973, Di Stefano e Callas fizeram uma tournée que foi sucesso de público, mas severamente atacada por críticos. Não era para menos, ambos estavam com suas vozes bem prejudicadas. Em 1974, uma nova tournée acabou sendo cancelada. Di Stefano voltaria aos palcos em raras ocosiões. Em 1992, Di Stefano se despidiria dos palcos como Altoum, o velho imperador da ópera Turandot de Puccini, em uma apresentação nas Termas de Caracala, em Roma. A última presença do grande tenor no palco foi em 1993, no Festival da Rádio Francesa de Montpellier, onde ele foi o "narrador" (parte não cantada da ópera) na ópera "Le Villi" de Giácomo Puccini.

Di Stefano nunca se afastou completamente do mundo da ópera. Ele se tornou professor de canto e foi presença constante (juntamente com Franco Corelli, Renata Tebaldi, Giulieta Simionato) em juris de diversos concursos de canto pelo mundo. Em 2004, o tenor siciliano sofreu um assalto em sua residência no Quênia, tendo sido gravemente agredido. Acabou ficando em coma em um hospital em Milão onde acabou falecendo em março de 2008, aos 86 anos de idade.

Giuseppe Di Stefano foi um tenor muito polêmico e controvertido. Foi ídolo de Luciano Pavarotti (o grande tenor de Módena já declarou sua admiração em várias ocasiões) e José Carreras (o tenor catalão admirava tanto Giuseppe Di Stefano que incidiu praticamente no mesmo erro de técnica vocal: ele também cantava as notas abertas e sem cobertura), e tinha também a admiração das sopranos Renata Tebaldi, Maria Callas, da mezzo-soprano Giulieta Simionato, dos tenores Mario Del Monaco ("o melhor tenor lírico que apareceu depois do grande Gigli") e Jussi Bjoerling, dos maestros De Sabatta e Toscanini. Mas, Pippo foi sempre alvo dos críticos. Sua forma de cantar (emitindo as notas sempre MUITO abertas e sem cobri-las adequadamente) sempre fez com que se argumentasse que sua técnica era errônea ou fraca. Mas, para o tenor siciliano o que importava era transmitir emoção e ser o mais natural possível (daí a ênfase na dicção e na naturalidade ao cantar), para que ele "cantasse como se estivesse falando". A técnica não era exatamente a sua prioridade. Di Stefano era um artista e não um técnico!

Música é essencialmente emoção. E a Ópera é a mais básica de todas as emoções. Giuseppe Di Stefano foi, provavelmente, o mais expressivo tenor a se apresentar e gravar óperas. Amor, ódio, ciúme, desespero, tudo era comunicado por ele através do seu canto, e sempre com a maior passionalidade. Quando ele estava em seus melhores dias e cantava bem determinado trecho, a versão de qualquer outro tenor da mesma parte pareceria, no mínimo, "morna". O melhor exemplo dessa expressividade é o final da ópera I Pagliacci de Ruggero Leoncavallo quando Canio, depois de passar todo o segundo ato tentando descobrir quem era o amante da esposa, Nedda, consegue saber quem é e diz ao amante, Silvio, "Ah, sei tu" (Ah, és tu!!). Di Stefano canta esse verso com tal ferocidade e satisfação, que fica claro que o personagem está descarregando toda a adrenalina da busca pelo nome do amante naquela simples expressão. Depois de ouvir Di Stefano cantando esse trecho, se você for escutar a versão de qualquer outro tenor, pensará que ele está chamando números de bingo.


O compositor: Neste post eu estou dando destaque ao tenor. Farei um post especificamente sobre o grande Charles Gounod. Mas, por ora, quem quiser saber mais sobre ele acesse aqui: http://en.wikipedia.org/wiki/Charles_Gounod (em inglês) ou aqui http://pt.wikipedia.org/wiki/Charles_Gounod (em português). Ou ainda, acesse aqui: http://archive.operainfo.org/broadcast/composer.cgi?id=22&language=4

A Ópera: Quem quiser saber a história completa da ópera Faust de Charles Gounod, pode acessar aqui: http://archive.operainfo.org/broadcast/operaSynopsis.cgi?id=22&language=4

O video: A ária "Salut! Demaure Chaste et pure" ficou bastante conhecida na voz de Giuseppe Di Stefano por causa de algo que até hoje só ele conseguiu fazer com tal perfeição. Trata-se da emissão de um Dó (a nota mais aguda da escala normal de um tenor) emitido por mais de 10 segundos e seguido de um impressionante diminuendo. Isso ocorre bem no final da ária e impressionou muita gente, incluindo o grande tenor sueco Jussi Bjoerling.

O video inclui ainda a partitura da ária. A gravação (só áudio) é de 1950 (época em que o tenor vivia seus anos dourados) e é, seguramente, uma das mais impressioantes gravações feitas por um tenor ao vivo.

Eis o video





domingo, 14 de setembro de 2008

A DINASTIA GUPTA

A DINASTIA GUPTA

O Império Gupta foi governado por membros da dinastia Gupta em torno de 320 a 550 DC e dominou a maior parte do norte da Índia, parte do leste do Paquistão e a parte ocidental do que é hoje a Índia e Bangladesh. O período do império Gupta pode ser considerado como a "Idade de Ouro" da ciência, matemática, astronomia, religião, e filosofia indiana. É considerado como o período clássico da história indiana.

Historiadores colocam a dinastia Gupta, no mesmo nível da Dinastia Han e Dinastia Tang da China e do Império Romano (Dinastia dos Antoninos), como um modelo de civilização clássica. A capital dos Guptas foi Pataliputra, hoje Patna, no Estado indiano de Bihar.

A origem do Guptas está envolta em obscuridade. O viajante chinês I-Tsing (Hieun-Tsang) fornece as primeiras provas do reino Gupta em Magadha. Ele foi para a Índia em 672 dC e ouviu falar de Maharaja Sri-Gupta "que construiu um templo chinês de peregrinos perto Mrigasikhavana". I-Tsing dá a data para este fato, simplesmente, como "quinhentos anos antes". Isso não condiz com outras fontes e, portanto, podemos concluir que I-Tsing era um mero adivinho.

A data mais provável para o reinado de Sri-Gupta é c. 240-280 dC. Seu sucessor Ghatotkacha governou provavelmente a partir de c. 280-319 dC. Em contraste com o seu sucessor, ele é também referido nas inscrições como "Maharaja".

HISTÓRIA

Através do quarto século DC, um grande tumulto político e militar destruiu o Império dos Kushana, no norte, e muitos reinos no Sul da Índia. Nesta conjuntura, a Índia foi invadida por uma série de povos estrangeiros e bárbaros ou Mlechchhas a partir da fronteira noroeste até a região da Ásia Central. Esse fato sinalizou o aparecimento de um líder, Chandragupta I. Chandragupta combateu com sucesso a invasão estrangeira e foi o primeiro grande imperador da dinastia Gupta, que governaria a India nos próximos 300 anos, trazendo a maior era de prosperidade na história indiana.

Srigupta I (270-290 dC) que foi talvez um pequeno governante de Magadha (moderna Bihar), fundou a dinastia Gupta tendo Patliputra ou Patna como sua capital. Ele e seu filho Ghatotkacha (290-305 dC) deixaram muito poucas evidências de seus governos.

Ghatotkacha (c. 280-319 dC), teve um filho chamado ChandraGupta I. (Não deve ser confundido com Chandragupta Máuria (340-293 aC), fundador do Império Mauria.).ChandraGupta I casou-se com uma integrante da familia Lichchhavi, que eram governantes de Mithila, principal potência em Magadha. Seu casamento com a princesa Lichchhavi Kumaradevi lhe trouxe um enorme poder, recursos e prestígio. Ele aproveitou a situação e ocupou todo o Vale Fértil do Ganges. Chandragupta I assumiu o título de Maharajadhiraja (imperador) em sua coroação formal. Ele estabeleceu seu reino em uma área que ia do Rio Ganga (Rio Ganges) até Prayaga (Allahabad, hoje em dia).

Samudragupta (335-380 DC), sucedeu seu pai (ChandraGupta I) em 335 DC, e reinou por cerca de 45 anos, até sua morte em 380 DC. Ele conquistou os reinos de Shichchhatra e Padmavati no início de seu reinado. Em seguida, atacou a Malwas, o Yaudheyas, o Arjunayanas, o Maduras e os Abhiras, e todas as tribos que estavam na área. Até a sua morte em 380 DC, ele tinha mais de vinte reinos incorporados ao seu domínio. Seu Estado foi alargado, indo dos Himalaias até ao rio Narmada e do Bramaputra até o Yamuna. Ele outorgou a si mesmo os títulos de o Rei dos Reis e de Monarca dos Mundos. Ele é considerado o Napoleão da Índia. Sua maior conquista pode ser descrita como a unificação política da maior parte do norte da Índia e com um impressionante poder.

Samudragupta não foi apenas um talentoso líder militar, mas também um grande patrono da arte e da literatura. Intelectuais importantes presentes em sua corte foram Harishena, Vasubandhu e Asanga. Ele mesmo foi poeta e músico. Ele era um firme crente no Hinduísmo e é conhecido por ter adorado o deus Vishnu. Ele foi compreensivo com outras religiões e permitiu o rei budista do Sri Lanka construir um mosteiro em Bodh Gaya.

ChandraGupta II (380 - 413 DC), o Sol do Poder (Vikramaditya), governou de 380 até 413. Vikramaditya é o lendário imperador da Índia. Mais histórias / lendas são associados com ele do que qualquer outro governante da Índia. Sua filha Prabhavatigupta foi casada com Rudrasena II, o Vakataka rei do Deccan (esta filha foi forçada a se casar pelo o pai). Apenas pouco menos bem sucedido do que seu pai, ChandraGupta II expandiu seu domínio para o oeste, derrotando o Saka Western Kshatrapas de Malwa, Gujarat e Saurashtra em uma campanha que durou até 409, mas com a derrota do seu principal oponente. Rudrasimha III, em 395 DC e com o esmagamento da supremacia de Bengala (Vanga). Isso fez extender o seu controle de costa-a-costa, estabeleceu uma segunda (comércio) capital em Ujjain e foi o ponto alto do império.

Apesar da criação do império por meio da guerra, o reinado é lembrado por seu estilo muito influente na arte, literatura, cultura e ciência hindú, especialmente durante o reinado de ChandraGupta II. Algumas excelentes obras de arte hindu como os painéis em Dashavatara o Templo em Deogarh servem para ilustrar a magnificência da arte Gupta. Acima de tudo, foi a síntese dos elementos sagrado e sexual que deram o seu sabor distintivo à arte Gupta . Durante este período, os Guptas eram defensores do Budismo florescente e das culturas Jainistas, e, por essa razão, há também uma longa história de um período de arte Gupta não-hindu. Em particular, o período de arte Gupta budista foi influente na maior parte do Leste e Sudeste da Ásia. O reinado de Vikramaditya foi talvez o mais próspero e progressista em toda a história indiana. O contemporâneo e monge budista chinês, o viajante Fa-hein, ficou impressionado com a prosperidade durante o reinado Gupta. Ele admirava os palácios reais e casas para a dispensação de caridade e falou muito do sistema de governo. Grande parte dos avanços da dinastia Gupta foi relatado por ele no seu diário e publicado postumamente.

A corte de Chandragupta II foi composta por membros ainda mais ilustres do que os de seus antecessores e isso se deu pelo fato de possuir a Navaratna (Nove Jóias), um grupo de nove mestres em artes literárias. Entre estes homens estava o imortal Kalidasa cujas obras empalideceram as obras literárias de muitos outros gênios, e não apenas em sua própria época mas, ao longo dos séculos vindouros. Kalidasa foi particularmente conhecido por sua grande exploração do elemento sringara (erótico) em seus versos.

No Quarto século DC o poeta sânscrito Kalidasa creditou a Chandragupta II, "Vikramaditya", o fato de ter conquistado cerca de vinte e um reinos, tanto dentro como fora Índia. Após terminar a sua campanha no Leste, Sul e Oeste da Índia, Vikramaditya (ChandraGupta II) atacou o norte, subjugou os Parasikas (persas) e, em seguida, as tribos dos Hunos e os Kambojas, localizadas no oeste e leste do Vale Oxus, respectivamente. Posteriormente, o glorioso rei prossegue em todo o Himalaia e reduziu os Kinnaras, Kiratas, e outros povos.
Vikramaditya foi sucedido por seu filho Kumargupta I (415 - 455 DC). Ele manteve as realizações do seu vasto império de antepassados, que cobria a maior parte do sul da Índia, exceto o que corresponde a quatro estados da Índia atual. Mais tarde ele também realizou o Ashwamedha Yagna e proclamou-se como Chakrawarti, rei de todos os reis. Kumargupta também foi um grande patrono das artes e da cultura; existem provas que ele instalara um colégio de belas artes na grande e antiga universidade em Nalanda, que floresceu durante o 5 º a 12 º século dC. Perto do final do seu reinado uma tribo no vale do Narmada, o Pushyamitras, cresceu a ponto de poder de ameaçar o império.

Skandagupta (455-467 DC) é geralmente considerado o último dos grandes governantes da dinastia Gupta. Ele derrotou a ameaça Pushyamitra, mas então foi confrontado com os invasores Hephthalites ou "Hunos Brancos", conhecidos na Índia como o Hunos, a partir do noroeste. Ele repele o ataque dos Hunos em c. 477 DC, mas os custos da guerra arruinaram o império e contribuíram para o seu declínio. Skandagupta morreu em 487 e foi sucedido por seu filho Narasimhagupta Baladitya (467-473 DC).

Apesar dos esforços heróicos dos SkandaGupta, o Império Gupta não sobreviveu ao longo choque que recebeu das invasão dos Hunos Brancos e da revolta interna dos Pushyamitras, embora houvesse algum tipo de unidade até o reinado do último rei gupta no 6 º século dC.

Narasimhagupta (467-473 DC) foi seguido por Kumaragupta II (473-476 DC) e Buddhagupta (476-495? DC). Em 480 o rei Hephthalite (Huno Branco) Toramana rompeu através das defesas Gupta, no noroeste, e grande parte do império foi conquistado pelo Hunos em 500. O império se desintegrou na época das investidas de Toramana e seu sucessor, Mihirakula; Os Hunos conquistaram várias províncias do império, incluindo Malwa, Gujarat, e Thanesar, destruidas longe do controle das dinastias locais. Ao que se extrai a partir de inscrições Guptas, apesar de seu poder ter diminuído muito, eles continuam a resistir aos Hunos, A sucessão Guptas no século sexto não é totalmente clara, mas o último governante da dinastia reconhecido foi Vishnugupta, tendo governando de 540 a 550 DC.

O LEGADO GUPTA

Os Reis da dinastia Gupta foram os grandes patronos de arte, cultura, línguas, matemática e ciências. Muitos dos melhores quadros da antiga Índia foram criados durante o período Gupta (320-600 dC), O melhor exemplo são os murais em Ajanta. Os murais coloridos e vibrantes em Ajanta são famosos não só para se observar meticulosamente detalhes da natureza e da paisagem urbana, incluindo arquitetura e mobiliário, vestuário e ornamentos elegantes e sedutores, mas também pelos retratos de uma variedade de personagens humanos, expressões e humor. A vida rica e sensual da corte de Vakataka e da Índia Gupta, em geral é exibida de forma realista nestes murais.

A época Gupta (329-650 dC), foi também era dourada de arte budista. A unidade política da Índia Gupta conseguida pelos imperadores, por sua vez, iniciou uma unidade artística que transcendeu fronteiras regionais. Normas artisticas uniformes entraram em vigor e foram fixadas principalmente por oficinas em Mathura e Sarnath. Mathura e Sarnath produziram algumas das melhores espécies de arte budista. O estilo Gupta de arte foi marcado por uma maestria na execução e uma majestosa serenidade na expressão e acabou se espalhando por outros países de arte budista e influenciou grandemente toda a Ásia.

O "Ferro de Meharulli" localizado em Pilar, Nova Deli é outro bom exemplo das grandes conquistas do reinado Gupta. Apesar de ter 1600 anos, este ainda está de pé e é um Pilar de Ferro, sem qualquer ferrugem. Alguns historiadores acreditam que este pilar foi erguido por Chandragupta II, Vikramaditya. O maior poeta sânscrito, Kalidasa, que escreveu Meghdoot e Kumarsanhita, estava na corte Vikramaditya. Shakuntalum, as obras de Kalidasa exemplificam a arte literária deste período. O Panchatantra, uma coleção de fábulas popular foi outro trabalho. A Sankrit Dramas e Mrichchhakatika Mudra Rakshasa foram escritos durante o reinado Gupta. Foi também nesse período que Vatsayana escreveu o famoso KAMA SUTRA. O celebrado astrônomo Aryabhatta, que calculou o valor correto de pi em 499 dC viveu neste período. Ele também calculou o comprimento do ano solar como 365,358 dias, e mais tarde postula que a Terra era uma esfera, girando sobre seu próprio eixo e gira em torno do Sol, bem como a causa exata da eclipses, fazendo também descobertas sobre os planetas do sistema solar e sobre a gravidade. Varahamira mostrou a importância do sistema decimal no tratado Bhrihatasamhita. O sistema numeral indiano, ou seja, o sistema decimal (que está atualmente em uso) é por vezes erroneamente atribuído ao árabes, que tomaram esse sistema da Índia e deram à Europa onde substituiu o sistema romano. A lei de livros Bruhaspati, Narada e muitas seções de Puranas (escrituras em sânscrito) também foram escritas neste período glorioso. A estrutura administrativa durante o período Gupta foi excepcionalmente boa, apesar da extensão grande império. Na administração Gupta, os governadores das províncias eram mais independentes em relação ao Mauryans. O comércio com o império romano declinou após o século III dC. Mercadores indianos começaram a depender mais fortemente do comércio com o Sudeste Asiático Em vez do ouro romano, eram os países do Sudeste Asiático que alimentavam a necessidade indiana de metais preciosos.

Em medicina, os Guptas foram notáveis para o seu estabelecimento livre de clientelismo e de hospitais. E embora o progresso em matéria de fisiologia e biologia foi dificultado por inibições religiosas contra o contacto com cadáveres, o que desencorajou dissecção e anatomia, médicos indianos foram brilhantes na farmacopeia, cesariana, fixação óssea, e transplantes. Com efeito os avanços da medicina hindu foram adotadas em breve as mundos árabe e ocidental. Infelizmente, muito poucos monumentos construídos durante a reinará Gupta sobreviver hoje. Exemplos de arquitetura Gupta são encontrados no templo Vaishnavite Tigawa em Jabalpur (no estado de Madhya Pradesh) construído em 415 dC e um outro templo em Deogarh próximo a Jhansi construído em 510 dC. Bhita no estado Uttar Pradesh tem um número de templos antigos Gupta,
a maior parte estão em ruínas.

terça-feira, 26 de agosto de 2008

Luciano Pavarotti (1935 - 2007) cantando "Ah, mes amis" da "La Fille du Regiment" de Gaetano Donizetti

O Tenor: Luciano Pavarotti (1935 - 2007) tenor italiano que ficou famoso por interpretar árias famosas como "Nessun Dorma" (da Turandot, de Giacomo Puccini) e canções napolitanas como "O Sole mio". Essa fama decorre essencialmente do seu carisma, do grande aparato publicitário que envolve sua imagem, da sua bela voz, e das grandes interpretações que ele fez nas décadas de 60 e 70. É certo que sua popularidade aumentou significativamente depois do grande sucesso da série de shows conhecida como "3 tenors in concert" que ele fez juntamente com Plácido Domingo e José Carreras em 1990 (em Roma, nas Termas de Caracala), em 1994 e em 1998, geralmente nas vésperas das finais das Copas do Mundo.

Mas, para os fãs da ópera as melhores interpretações do Pavarotti não são as canções napolitanas ou "Nessun Dorma". O grande tenor de Módena ficou famoso no mundo da ópera por seus papéis em óperas do belcanto italiano ou no repertório de tenor lírico. O tenor iniciou sua carreira em 1961, como Rodolfo na ópera La Bohéme de Puccini. Em 1963, fez seu "debut" internacional substituindo um dos seus ídolos, o tenor Giuseppe Di Stefano, na mesma La Bohéme no Covent Garnden em Londres. Sua carreira recebeu um grande empurrão quando passou a se apresentar com a magnífica soprano australiana Joan Sutherland (uma das grandes divas da segunda metade do século XX). Foram essas interpretações que deram a Pavarotti a fama que ele tem hoje. Depois, ele passou a cantar repertório mais pesado (inapropriado para a sua voz), mas sua fama passou a crecer vertiginosamente perante o grande público.

Um dos momentos mais importantes da carreira do Pavarotti foi quando cantou junto com Joan Sutherland a ópera "La Fille du Regiment" de Gaetano Donizetti, especialmente a ária "Ah, mes amis". Luciano Pavarotti ganhou o aplauso da crítica e das exigentes platéias de ópera quando cantou, precisa e perfeitamente, os nove difícies dós agudos (Dó5, o conhecido "dó de peito" ou o "high C" dos norte-americanos) da ária. Esse fato deu a ele o respeito dos crítidos e de todos aqueles que o consideravam como um tenor mediano. Foi essa ária que lançou Pavarotti ao sucesso internacional em 17 de fevereiro de 1972, numa apresentação do Metropolitan Ópera. Ele voltou ao palco dezessete vezes para receber aplausos depois de atingir os dós agudos sem demonstrar esforço algum.

Futuramente irei postar mais detalhes sobre a vida dele. Mas aqui tem um interessante resumo: http://pt.wikipedia.org/wiki/Luciano_Pavarotti

O Compositor: Gaetano Donizetti (1797 - 1848), filho de um responsável de uma loja de penhores e de uma costureira, nasceu e morreu em Bergamo, Itália, como muitos de seus personagens, vítima da loucura. Donizetti adicionou uma urgência dramática, especialmente nos diálogos, aos estilo barroco antigo, conhecido como bel canto (caracterizado por linhas vocais longas e floreadas), que abriu caminho para Verdi e o verismo. Era fundamentalmente um melodista, como seus colegas Rossini e Bellini. Como resultado de sua admiração pelos mestres clássicos, Haydn e Mozart, desenvolveu um ouvido afiado para a orquestração - recatado, mas sensível - e para a formação dramática de peças com arranjo para diversas vozes e instrumentos junto com linhas sinfônicas. Extraordinariamente prolífico, Donizetti normalmente exigia demais de si mesmo, tentando não ficar para trás com as várias solicitações dos teatros líricos. Embora tenha composto um grande número de óperas, estimado em 70 obras, a constância e o vigor de sua inspiração lírica camuflam o fato de que muitas das suas criações eram feitas sob encomenda. A construção das cenas de Donizetti baseia-se em uma fórmula, mas uma fórmula que funciona e que ele preencheu com uma vida profunda e palpitante que, com freqüência, torna os personagens de seu repertório críveis.

Até o renascimento do bel canto, que se seguiu à II Guerra Mundial, Donizetti era conhecido principalmente como o compositor de uma tragédia, Lucia di Lammermoor, e uma comédia L'Elisir d'Amore (O elixir do amor). Atualmente estas obras são freqüentemente acompanhadas no repertório por outras de suas óperas, tanto sérias como cômicas. As tendências da categoria anterior para os assuntos pseudo-históricos, tão em voga naquela época, e a remota Inglaterra exerciam um fascínio especial sobre Donizetti: Anna Bolena, Maria St e Roberto Devereux, todos retratavam governantes ingleses e Elizabeth I aparece em duas de suas obras. Lucrezia Borgia, montada na Itália e La Favorita, montada na Espanha, deram um maior prosseguimento ao ficcionismo de pessoas que realmente existiram, um esporte popularizado por Sir Walter Scott, autor da novela A Noiva de Lammermoor, fonte de inspiração de Lucia.

A Ópera:

Personagens:
Marie (soprano) – A filha adotada pelo 21º regimento do exército francês. Ela está apaixonada por Tônio.
Marquesa de Berkenfield (soprano) – Um parente inesperado de Marie; ela deseja que Marie se case com um rico nobre alemão.
Duquesa de Krankentorp (soprano) – Mãe de um nobre alemão, o prometido de Marie.
Tônio (tenor) – Alistou-se no 21º regimento porque se apaixonou por Marie depois de evitar que ela caísse numa ravina.
Sargento Sulpice (baixo) – Sargento do exército francês, ele acolheu Marie no regimento, porém depois descobriu que ela é parente da Marquesa.
Hortênsio (baixo) – Mordomo da Marquesa.

Sinopse:
PRIMEIRO ATO. As montanhas tirolesas. Em caminho à Áustria, a amedrontada Marquesa de Berkenfield e seu mordomo, Hortênsio, interrompem sua jornada por causa de uma contenda. Quando a Marquesa escuta dos aldeãos que as tropas francesas bateram em retirada, ela critica a indelicadeza do povo francês. (“Pour une femme de mon nom”). O sargento do 21º regimento, Sulpice, assegura à todos que seus homens restaurarão a paz e ordem. Ele vem acompanhado de Marie, a mascote ou “filha” do regimento, adotada pelo sargento quando ainda era uma criança órfã. Quando Sulpice a questiona sobre um jovem com quem ela foi vista, ela conta que ele é um tirolês que certa vez salvou sua vida. Tropas do 21º regimento chegam com um prisioneiro: o mesmo Tônio que diz estar procurando por Marie. Ela entra e o salva. E enquanto ele celebra suas novas amizades, Marie canta o hino regimentar (“Chacun le sait”). Os soldados ordenam que Tônio os siga, mas ele escapa e regressa para declarar seu amor à Marie. Sulpice os surpreende e Marie precisa admitir para Tônio que ela somente pode se casar com um soldado do 21º regimento.

A marquesa de Berkenfield pede a Sulpice uma escolta para regressar a seu castelo. Ao escutar o nome Berkenfield, Sulpice lembra-se de uma carta que encontrou próximo à jovem Marie no campo de batalha. A Marquesa acaba admitindo ter conhecido o pai da garota e diz que Marie é a filha, há muito desaparecida, de sua irmã. A criança foi deixada aos cuidados da Marquesa, mas foi perdida. Chocada com a falta de fineza da garota, a Marquesa está determinada a dar uma educação apropriada à sua sobrinha e levá-la de volta ao castelo. Tônio se alista no exército para poder casar-se com Marie (“Ah, mes amis”). Mas ela deve deixar ambos o regimento e o homem a quem ama (“Il faut partir”).

SEGUNDO ATO. O castelo de Berkenfield. A Marquesa arranjou um casamento entre Marie e o Duque de Krakenthorp. Sulpice também está no castelo, recuperando-se de uma ferida, e deveria estar ajudando a Marquesa com seus planos. A Marquesa dá à Marie uma classe de canto, acompanhando-a no piano. Encorajada pelo Sulpice, Marie enfia frases do hino regimentar e a Marquesa fica de mau-humor (trio: “Le jour naissait dans la bocage”). Deixada à sós, Marie reflete sobre a insignificância do dinheiro e posição social (“Par le rang et l’opulence”). Ela escuta
soldados marchando à distância e fica feliz uma vez que todo o regimento marcha salão adentro. Tônio, Marie e Sulpice se reencontram. Tônio pede a mão de Marie. A Marquesa não se comove com a declaração do rapaz de que Marie é sua vida (“Pour me rapprocher de Marie”). Ela diz que sua sobrinha está comprometida à outro homem e dispensa a Tônio. A sós com Sulpice, a Marquesa confessa a verdade: Marie é sua própria filha ilegítima, a qual ela abandonou temendo desgraça social.

Hortênsio anuncia a chegada do cortejo de casamento, liderado pela mãe do noivo, a Duquesa de Krakenthorp. Marie se nega sair de seu quarto, mas Sulpice lhe revela que a Marquesa é sua mãe. Surpresa, a garota declara que não pode ir de encontro aos desejos de sua mãe e concorda em casar-se com um homem que não ama. Quando está prestes à assinar a licença de casamento, os soldados do 21º regimento, liderados por Tônio, invadem o recinto para resgatar sua “filha”. Os convidados ficam horrorizados ao descobrir que Marie era uma cantineira, mas mudam de opinião quando ela lhes revela que nunca poderia pagar a dívida que tem com os soldados. A Marquesa fica tão enternecida pela pureza do coração de sua filha que lhe concede permissão para casar-se com Tônio. Todos juntos celebram cantando “Salut à France”.

A ária: "La Fille du Régiment" é uma conhecida vitrina para verdadeiros atletas vocais. A ária de Tônio, “Ah! Mes amis!” contém nove dós na quinta oitava e é comumente conhecida entre tenores como o Monte Everest do bel canto.

Eis o video da ária (infelizmente só o áudio):

domingo, 24 de agosto de 2008

MIKA WALTARI (1908 - 1979)



Mika (Toimi) Waltari (1908 - 1979) foi grande um escritor finlandês que ficou muldialmente conhecido por escrever romances com enredos que se passavam em ambientes históricos (Antiguidade e Idade Média) e contendo uma impressionante riqueza de detalhes. Nos livros deste escritor escandinavo o leitor é transportado para outro tempo e lugar e tem a nítida sensação de estar vivendo aquele momento da História.

Mika Waltari nasceu em Helsinki, capital da Finlândia e perdeu seu pai, Toimi Armas Waltari, um pastor e professor luterano, quando tinha 5 anos de idade (em 1914). Na sua infância, presenciou a Guerra Civil Finlandesa na cidade. Na juventude, entrou na Universidade de Helsinki para estudar teologia, de acordo com os desejos da mãe, mas logo abandonou a teologia pela filosofia e literatura, graduando-se em 1929.

Enquanto estudava, contribuía para artigos em revistas e escrevia poesias e contos, sendo seu primeiro livro publicado em 1925.

Em 1927 foi para Parais onde escreveu um de seus maiores romances, "A grande ilusão", uma história de vida boêmia. Esta obra, em termos de estilo, é considerada o equivalente finlandês de trabalhos de escritores norte-americanos da Geração Perdida.


Waltari também foi membro de um movimento liberal de literatura chamado Tulenkantajat, até que sua visão política e social mudou mais tarde para ultra-conservadora. Casou em 1931 e teve uma filha, Satu, que também se tornou escritora.

Durante as décadas de 1930 e 1940, Waltari trabalhou bastante como a jornalista e crítico, escrevendo por um grande número de jornais e revistas e viajando por toda a Europa. Também foi diretor da revista "Suomen Kuvalehti".

Ao mesmo tempo, continuou escrevendo livros de vários gêneros, movendo-se facilmente de um estilo literário para outro.

Em 1945 foi publicada o seu primeiro e mais bem sucedido romance histórico, "O egípcio", que falava sobre a corrupção e valores humanos num mundo materialista justamente depois da Segunda Guerra Mundial. O livro se tornou um best-seller internacional, servindo de base para um filme de Hollywood do mesmo nome.


Waltari escreveu outras sete obras históricas, ambientadas em várias culturas antigas, como por exemplo "The dark angel", ambientada durante a queda de Constantinopla em 1453.

Nestas obras, Waltari dava bastante destaque ao seu pessimismo e também em duas histórias ambientadas no Império Romano, à sua convicção cristã. Ele se tornou membro da Academia Finlandesa em 1957 e recebeu título de doutor honorável em 1970 pela Universidade de Turku.

Waltari foi um dos mais prolíficos escritores da Finlândia. Foi o mais conhecido escritor finlandês e seus trabalhos foram traduzidos para mais de 40 idiomas.


De suas obras destacamos:

1- "O Egipcio", (Sinuhe egyptiläinen, no original), de 1945, que conta a vida do médico egípcio Sinhue na época do reinado do faraó Akhenaton (c. de 1362 AC - 1.333 AC). Mas, o autor não se restringe sua história ao Egito, pois Sinhue acaba viajando para a Babilônia e Creta, retornando, depois, ao Egito na época em que o faraó fez uma tentativa de mudar a religião egípcia (politeista) para um monoteismo baseado em Aton, o disco solar. Este é o livro mais famoso do autor, que serviu até de base para um filme de Hollywood.

2- "O Aventureiro" (Mikael Karvajalka, no original), de 1948, ambientado na Idade Média, conta a história de Mikhael Karvajalka, desde os seus primeiros anos em Abo (Finlândia), passando pela Europa Central (onde o autor narra eventos da Inquisição) e mostrando diversos elementos da Europa medieval.

3- "O Romano" (Ihmiskunnan viholliset, no original), de 1964, ambientado em Roma durante os reinados de Cláudio e Nero.

Maiores detalhes sobre a vida e obra deste escritor podem ser encontrados neste texto (em inglês): http://www.kirjasto.sci.fi/mwaltari.htm .

sexta-feira, 22 de agosto de 2008

Max Stirner (1806 - 1856)



Quando se fala em irracionalismo, ateismo, anarquismo e niilismo sempre são mencionados nomes como os de Schopenhauer e Nietzsche.
Mas alguns filósofos que exerceram grande influência e que têm grande importância para a história da filosofia são pouco comentados.
Johann Kaspar Schmidt, conhecido pelo pseudônimo Max Stirner (desenho ao lado, feito por Fiedrich Engels) é um desses filósofos muito pouco comentados e quase esquecidos, mas que influenciaram o pensamento da sua época.
Stirner ficou conhecido com a publicação, em 1844, do livro "O único e sua propriedade". Com essa obra, ele impressionou diversos filósofos da época e influenciou a obra de pensadores como Nietzche e Marx.
Aliás, Eduard von Hartmann, outro filósofo pouco comentado da época, chega a dizer que Nietzsche era um "plagiador" de Max Stirner. Ele ainda foi precursor das idéias anarquistas, o conhecido "Anarquismo Individualista".
Stirner, antes mesmo de Nietzsche, já combatia a moral cristã e pregava a "morte de Deus". A diferença é que Nietzsche tinha um estilo (fragmentário e obscuro, um pouco captado dos aforismos de Heráclito) e retórica (permeada de expressões agressivas e de efeito) muito mais sedutores que os textos de Stirner. Embora Nietzsche tenha feito muito mais barulho, as idéias de Max Stirner foram mais longe do que Nietzsche ousaria chegar!
Uma boa idéia sobre a relações de Stirner com seus contemporâneos e as influências do seu pensamento podem ser encontradas neste interessante texto: http://www.lsr-projekt.de/poly/ptinnuce.html

10º Aniversário do Festival de Verbier - 2003

O Festival de Verbier é um conhecido festival de música clássica que foi criado em 1994. Grandes estrelas da música erudita se apresentam todo ano em Verbier perante um público de mais de 40.000 pessoas. Maiores detalhes: http://www.verbierfestival.com/

Em 2003, comemorou-se o décimo aniversário do festival. Nessa oportunidade foi apresentado o Concerto para Quatro Pianos e Orquestra BWV 1065 de Johann Sebastian Bach (que originalmente é um concerto para quatro cravos, instrumento musical antecessor do piano).

Os quatro pianistas que tocaram nesse concerto são grandes estrelas do mundo da música clássica: James Levine (pianista e maestro americano, diretor musical do Metropolitan Opera House e da Orquestra Sinfônica de Boston), Martha Argerich (magnífica pianista argentina, pouco conhecida por sua notória aversão à imprensa e à publicidade), Mikhail V. Pletnev (grande pianista, regente e compositor russo) e Evgeny Kissin (impressionante pianista russo, um virtuose que toca desde os 10 anos de idade, e aos 17 já tocava o Concerto nº 01 para Piano e Orquestra de Tchaikovski com a poderosa Orquestra Filarmônica de Berlin sob a regência do grande Herbert von Karajan).

A orquestra que os acompanha não é uma orquestra comum. É formada também por grandes nomes do cenário musical: Gidon Kremer, Vadim Repin, Renaud Capuçon, Sarah Chang, Ilya Gringolts, Yuri Bashmet, Nobuko Imai, Christian Tetzlaff, Nikolaj Znaider, Dmitry Sitkovetsky, Mischa Maisky, Boris Pergamenschikow, Patrick de los Santos. Por exemplo, a sorridente violinista norte-americana Sarah Chang é uma instrumentista de fama internacional e muito premiada, tento tocado com os mais importantes maestros da atualidade como Simon Ratle e Zubin Metha. Podemos destacar também Mischa Maisky, grande violoncelista letoniano de fama mundial, premiado, e que chegou a ficar em um campo de trabalho na antiga união soviética por 18 meses o que fez com que ele fugisse para Israel e adotasse a cidadania israelense.

Eis o video do concerto:


quarta-feira, 20 de agosto de 2008

Antonino Pio: o imperador esquecido


O maior imperador romano, para mim, não foi Augusto ou Trajano e sim Antonino Pio. Antonino Pio não é muito conhecido porque não foi um ditador notório, um grande conquistador (como Júlio César, Augusto e Trajano) ou um governande insano (como Tibério no final da vida, Calígula, Nero, Domiciano e Cômodo).

Os imperadores romanos são, muitas vezes, tidos como tiranos, mas Antonino estava longe disso. Ele foi um administrador hábil, retraído que evitava conscenciosamente o luxo e o desperdício e acreditava nas regras da lei. Teve uma equipe de especialistas em leis que o guiaram na revisão da legislação romana e lhe é creditado o princípio de que todo o homem deve ser considerado inocente até prova em contrário.


Tito Aurélio Fulvio Boionio Antonino nasceu em Lanúvio, em 19 de setembro de 86. Sua família era natural de Nîmes, na Gália Narbonense, mas seu avô e seu pai haviam ambos sido cônsules em Roma. O próprio Antoninus ocupou o consulado no ano 130 e foi posteriormente nomeado quatuórviro (um posto judiciário) na Etrúria e na Úmbria, antes de ser governador da Ásia (133/136). Em 25 de fevereiro de 138 ele foi adotado pelo imperador Adriano como filho e sucessor, recebeu poder tribunício e imperium proconsular; quando Adriano morreu, em 10 de junho do mesmo ano, Antonino tornou-se imperador. Antoninus já era casado com Faustina I, antes de ser adotado por Adriano, onde tiveram 4 filhos, e três deles morreram, tendo sobrevivido sómente Faustina II.


Um dos seus primeiros atos foi conseguir do Senado - que se ressentira de Adriano nos últimos anos - a deificação de seu predecessor e a ratificação de seus atos. Conseguiu isso prometendo abolir os juízes itinerantes italianos (quatuórviros) instituídos por Adriano. O Senado conferiu a Antonino o título de "Pius" como reconhecimento de seu senso de dever em relação a seu pai. No ano seguinte (139) recebeu também o título de "Pai da Pátria" (Pater Patriae). Conseguiu manter boas relações com o Senado durante todo o seu reinado, principalmente graças a seu ato, pois os poderes e as responsabilidades dos senadores não foram aumentados em nada. Na realidade, a burocracia tornou-se mais dinâmica e Antonino reservara para seu conselho privado todas as decisões sobre os assuntos de importância. Em 140 d.C., sua esposa Faustina I morreu. Ele emitiu uma série comemorativa de moedas, a maior cunhagem da história romana, e também construiu o Templo de Faustina.

Aliás, diferente da maioria dos imperadores romanos, Antonino amava loucamente sua mulher. Um dos mais bem preservados monumentos do Fórum, em Roma, é o Templo de Antonino e Faustina, que foi construído em 141 A.C., em honra de sua esposa. Foi depois dedicado ao imperador na data de sua morte, em 161.


O reinado de Antonino, em sua maior parte, foi um período de paz e prosperidade. Ele não era extravagante (parece ter deixado seiscentos e setenta e cinco milhões de denárius no Tesouro ao morrer), mas apoiou a construção de edifícios, principalmente na Itália. Ocorreram desordens em algumas províncias. Na Bretanha foi construída uma muralha de turfa (a Muralha de Antonino) entre os estuários do Forth e do Clyde; a muralha começou a ser construída em 143, depois de dois anos de lutas sérias. Acontecimentos importantes continuaram a ocorrer na fronteira do Reno. As províncias da África foram pertubadas pelo aumento do banditismo, que culminou na revolta da Mauritânia (145/150). Houve revoltas na Dácia e problemas no limite oriental das fronteiras do Danúbio. Nos últimos anos do reinado de Antonino, houve ameaças de uma séria guerra com os Partos (povo que vivia em guerra com Roma desde a época de Augusto) e Antonino conseguiu fazer a paz com as várias tribos dos Partos (o que nenhum dos seus predecessores conseguiu).


Antoninus morreu em 7 de março de 161, em Lório (Etrúria), e seus restos mortais transladados para o Mausoléu de Adriano, em Roma. Os principais monumentos construídos por ele em Roma foram o Templo de Antoninus e Faustina, no Fórum, e uma coluna comemorativa, originalmente localizada no Campo de Marte.

Giuseppe Di Stefano (1921-2008) cantando a "Serenata" de Schubert em espanhol

Giuseppe Di Stefano (1921 - 2008) cantando Serenata de Schubert em Espanhol em um filme mexicano de 1953.
Aqui (http://pt.wikipedia.org/wiki/Giuseppe_Di_Stefano) tem uma pequena biografia deste fabuloso tenor siciliano, que fez grande sucesso nos anos 50 e 60 ao lado de Maria Callas. Futuramente pretendo postar mais videos e textos sobre ele!!
Aqui a letra da música: "AL CLAROR DE TRISTE LUNA FARO DE PESAR. EL RIGOR DE MI FORTUNA QUIERO AUMENTAR TODO EN PAZ CON BLANDO SUEÑO DUERME EN DERREDOR SOLO YO, MI DULCE DUEÑA, VELO CON DOLOR BARDO SOY QUE BUSCA ERRANTE LAUROS PARA TIPUES QUEDÉ TU ESCLAVO AMANTE LU EGO QUE TE VI TU QUIZÁ GENTIL SEÑORA MIENTRAS PENO YO SOÑARÁS QUE FIEL TE ADORA QUIEN INFIEL NACIÓ MAS TE VÍ POR LA VENTANA, YA PIEDAD LOGRÉ TU QUE FUISTE AYER TIRANA PREMIAS HOY MI FE"


"A Filosofia de um trabalhador comum" Opus 01 - by Fabio Zafiro Filho




Acordou.

Era a hora correta para despertar para o dia. Mas, nem dia, nem nada, o que Ele queria mesmo era a volta ao sono, àquele sono recheado de sonhos...

Sentiu-se pesado e sem forças. Nada era pior do que um novo dia, um novo acordar, uma nova jornada. Cada dia parece uma nova vida, uma nova caminhada para a felicidade ou para o suicídio.

Olha para o relógio: são seis e meia da manhã.

Nada lhe parecia mais desagradável do que um relógio. O relógio deve ter sido o deus grego do trabalho. Deve ter existido um Templo do Relógio, em Atenas, no alto da Acrópole, com sacerdotes fiscalizando se os pobres gregos estavam trabalhando direito.

Ora, qual a razão da existência do relógio na vida de uma pessoa normal? Seria um mecanismo inventado somente para deixar os homens loucos? Um instrumento de tortura?

E esses modelos digitais? São as formas mais modernas e recentes de tortura psicológica. A pessoa fica atenta para saber se o número vai mudar de 29 para 30 e se esquece que nesse mesmo minuto poderia ter tido uma excelente idéia, que poderia mudar a sua vida inteira.

Olhou para o teto.

Levantou-se. Era duro e trabalhoso levantar àquela hora da manhã. Tinha que fazer um exercício de concentração e meditar consigo mesmo:

“O dia hoje vai ser dos mais agradáveis”.

Era uma técnica que leu em um livro de auto-ajuda, desses que são vendidos em banca de jornal, e que continha mais de cem frases idiotas semelhantes para mais de oitenta circunstâncias diferentes, até mesmo para a hora do sexo.

A frase que Ele utilizava era a única que achava razoável, pois era a mais fácil de ser dita e de ser pensada e dispensava qualquer tipo de erudição, o que é difícil de ter quando se acorda.

- Acordou, meu amor?

Era uma das perguntas que mais temia, por dois motivos principais:

Primeiro: Odiava quando sua mulher vinha lhe acordar ou quando vinha lhe perguntar se tinha dormido bem ou algo parecido. Não se sentia bem com tais questionamentos mundanos e sem qualquer apelo romântico.

Segundo: Quando sua mulher falava “amor“ era sinal que vinha bomba junto: algum problema como contas para pagar, pedido de dinheiro para comprar uma meia que estava em oferta, comunicado formal sobre o desempenho das crianças na escola, ou outras encrencas semelhantes.

Mas, sua mulher, apesar de já estar se transformando em uma dona-de-casa padrão, não deixava de dar ainda sua dose completa de amor e sexo, o que fazia com que ele esquecesse qualquer problema conjugal ou familiar, pelo menos até àquela hora da manhã.

- Acordei – disse Ele - temos alguma novidade para enfrentarmos o dia já com o pé esquerdo?

- Não seja tão pessimista. – disse ela se aproximando da cama – só temos que comprar um ferro de passar novo, pois o que temos pifou.

- Ótimo. Quanto?

- Posso fazer crediário? Só serão seis parcelinhas...

- Tá, mas vê se compra somente o ferro e procure não comprar aquele modelo último tipo, que é pelo menos quinze vezes mais caro que o modelo normal e em oferta.

- Ah, você sabe muito bem que eu sou controlada em matéria de compras. Por que esta desconfiança injusta agora?

- Puro mau humor...

- Tá bom – disse ela sorrindo – mas vê se melhora logo esse humor porque aquele seu amigo disse que vinha falar com você as oito horas sobre algum problema familiar.

- Esqueceu de pagar a pensão ou foi gritar com a mulher no emprego dela?

- Não sei, você sabe que eu acho esse cara um...

-...Cretino, mau caráter, mulherengo, injusto, covarde, irresponsável, cruel, bastardo, ignorante. Será que eu esqueci algum adjetivo?

- Você está sendo muito exagerado. Eu só acho ele mau caráter, o resto é você que está inventando....

- Eu até acreditaria nesse seu discurso de boa samaritana se não tivesse presenciado umas treze discussões entre vocês dois.

Ela resolveu ir para a cozinha e já ia saindo do quarto, quando voltou e disse:

- Eu sei que você sente ciúme dele comigo, mas eu juro que não gosto de carecas e gordos.

- Eu sei. Deve ser por isso que você briga tanto com ele.

Ela olhou-o com um leve toque de carinho e disse:

- Você sabe que eu só não consigo brigar com você, né?

Ele não estava de bom humor para romances de café-da-manhã. Queria assistir televisão, tomar um bom banho e ler uma revista.

Respondeu:

- Então eu posso tomar meu banho de meia hora sossegado e, depois, deixar a toalha enxarcada em cima da cama, né?

Ela dá um leve suspiro e diz:

- Meu amor por você ainda agüenta isso, mas levante esse astral. Pense em alguma piada, faça cócegas, sei lá.Tira essa cara de coveiro com insônia.

Ela saiu.

Paz novamente.

Ele seguiu para o banho matutino. Era o mesmo banho de sempre: aquela água morna caindo do chuveiro, aquele sabonete já quase na última lasca, aquele vapor sufocante, e o meditar tradicional.

Depois disso, foi para a cozinha.

- Quando mesmo que você disse que aquela coisa em forma de gente vem?

- As oito...

- Ele sabe que eu saio as oito e meia e vem me encher logo antes de sair.

- Ele só quer desabafar. É um problema sério essas relações conjugais. Brigas, desentendimentos, pensões, eu não agüentaria...

- Por que? Parece tão divertido, Vamos tentar?

- Seu humor tá dando uma ligeira melhorada, que vai comer?

- Você deveria ter feito essa pergunta ontem antes de irmos dormir.

Ela corou imediatamente.

- Seu humor já está normal. Quanto ao resto você sabe porque não tivemos uma boa noite ontem. Eu estava...

- Com dor de cabeça...

- Você fala como se eu vivesse dando desculpas para não...

- Desculpe. Nessa parte nunca tive e não tenho nada a reclamar. Estava só brincando. Você quer ou não que eu melhore o humor?

- Tá bom, mas se você não parar de falar bobagens como essa, terá que ir dormir no sofá e sua mão terá que fazer aquele trabalhinho sujo durante umas semanas, aquele mesmo que você fazia no banheiro quando tinha uns onze ou doze anos de idade, lembra-se?

Ela disse isso abraçando-o e dando-lhe um leve beijo no rosto.

- Mas isso é uma coisa tão ruim assim.

Ela ri

- Não duvido. Mas, ainda acho que é melhor comigo, né?

- Sem sombra de dúvida, mas isso não transforma a outra modalidade em uma coisa desagradável, tanto que eu a utilizava aos doze anos.

- Chega. Vamos falar sobre isso no quarto, não aqui.

- Esse assunto não te interessa?

Ela dá uma risada e um leve tom sensual surge em seu semblante.

- Me interessa por demais. Por isso é que eu quero que a gente converse no quarto e à noite, tá? A gente alterna a parte teórica com a parte prática e depois fazemos alguns comentários sobre o tema.

- Ta, então tá marcado Hoje.

- Talvez...

Ela riu, deu um longo beijo na testa dele e foi acordar os filhos.

Ele resolveu ir para o quarto ler algumas notícias. Adorava os filhos, mas não pela manhã. Quando eles acordavam pareciam lesmas pegajosas e em nada lembravam aquelas belas criaturas das fotos.

Enquanto a mãe dispensava os filhos e encaminhava-os para a condução que os levava diariamente para a escola, Ele se vestia, se barbeava, lia a revista, e se preparava para a jornada de trabalho diário, ou seja, para outro dia na vida cotidiana do escravo remunerado das grandes cidades.

Depois que se aprontou, foi à sala e ficou aguardando o Amigo.

Toca a campainha. Ele abre a porta.

O Amigo entra aos prantos.

- Estou perdido... – diz o Amigo, chorando.

- Matou alguém?

- Não. Ela pediu o Divórcio....

Ele realmente não compreendeu nada. A alma humana e, principalmente, a alma dos amigos, é sempre difícil de ser entendida. Sempre damos conselhos que são esquecidos, contrariados ou seguidos, mas sempre o culpado de tudo é aquele que tenta ajudar.

- O que eu faço agora?

Ele via duas alternativas: procurar um sacerdote ou se matar, mas só falou:

- Vá falar com ela...

O Amigo, como era de se esperar, nem ouviu.

- Será que ela tem outro? Será...

Ele sabia que era duro, mas teria de falar que quando as pessoas se separam, a tendência é, naturalmente, partirem para outro relacionamento e daí para o Divórcio. A pensão, as brigas sobre as visitas ao filho e sobre o tratamento que este recebe aqui ou acolá, constituem somente a primeira fase do Vestibular para a faculdade de Divorciado.

- Você já...? – balbuciou Ele

Ele não sabia o que dizer. Somente fazia meias perguntas, que eram respondidas com meias respostas. Ambos estavam na mesma sala, mas um estava na Terra e outro, aparentemente, estava em Orion.

- E ela?

- Ela vai tentar...

Era como se Ele tivesse conversando com um espectro, um alienado, ou com uma personagem de desenho animado. A conversa entre ambos mais parecia um conjunto de ruídos do que um diálogo inteligível.

- Ela está muito...

- É... - respondia Ele.

- Você sabe. Ela era muito...assim, sabe?

- Sei...

E o papo se arrastava por minutos torturantes até que o Amigo disse:

- Vou encher a cara...

- Não vomite... - respondeu Ele.

E saiu, sem destino e com um futuro incerto e não sabido.

Ele ficou parado, sentado na poltrona da sala, quando sua mulher chega e lhe pergunta:

- E ai? Ele conseguiu falar ou somente imitou uma criança retardada?

- Você é má. Não viu o sofrimento nos olhos dele. O homem parecia um caco...

- Sofrimento? Será que ele conseguia raciocinar o suficiente para poder sofrer? Achei que ele ia ter um ataque de catalepsia a qualquer momento.

- Sem comentários.

- Você tem muita paciência! – disse ela com um ar de pena – cuida dele como se fosse seu cachorrinho de estimação.
- É preciso ter muita paciência para agüentar todas essas suas alfinetadas no coitado. Tenha um pouco de compaixão, ou então – parou e sorriu - um pouco de senso de humor.

Ambos começaram a rir.

- O seu Amigo estava realmente uma figura hedionda

- Eu sei, mas se eu não o defender, quem o fará?

- O advogado dele... — disse ela olhando-o calmamente - E aí? Você vai aqui ficar em casa para sempre? Se você pretende ficar em casa relaxando, quem vai se divorciar de você sou eu...

Era sempre assim, quando aquele amigo chegava ele esquecia da vida. Ficava pensando: “que grande merda é a vida............dos outros“. Ficava lembrando de todos seus amigos e colegas com problemas e acabava esquecendo da vida.

- Tem razão. O sacrifício laboral diário me espera. Adeus! – levantou-se, beijou a mulher (aquele beijo normal de operário) e saiu para o dia no escritório.

Saiu para a Rua.

Sim, a Rua. Era ali que se sentia mais gente, mais humano, mais idiota, mais população.

Olhou para o chão e começou sua principal diversão diária: chutar objetos inanimados.

Uma lata, um carrinho de criança, uma bola, bosta de cachorro, bosta de cavalos (ambas secas, é claro), folhas secas, pontas de cigarros, maços de cigarros, papéis, e tudo mais...

Ele se divertia com o lixo das ruas. Era nojento e sórdido, mas como era bom!

Chegou ao Ponto de Ônibus e começou a observar as pessoas. Ele era um especialista na natureza íntima dos usuários do transporte coletivo.

Primeiro viu aquele homem de seus 30 anos, carrancudo, vestido de calça jeans e camiseta verde escura, carregando papéis e com um olhar de alguém que estaria indo cometer suicídio. Era provavelmente aquele ser humano normal que está indo pagar alguma conta atrasada em algum Banco ou em algum órgão público. Coisas do cotidiano!

Depois olhou mais para a direita e viu uma moça de seus 17 anos, bonita, carregando livros, com o olhar perdido. Deveria ser uma estudante de segundo grau que estava indo fazer um trabalho em grupo ou indo a uma aula daquelas de reforço. Tinha jeito de ser daquelas meninas que sabem tudo sobre o cantor número um no Ibope, mas se perguntarem para ela algo como um fato recente da política, ela simplesmente ignora o interlocutor e sai assobiando.

Olhou em volta e viu uma velha de uns mil anos. Devia ser tão velha quanto o próprio Tempo. Estava olhando para o chão e mastigava algo. A velha começou a falar com a vizinha e ele pôs-se a escuta:

- Olá Chica.E o seu neto?

- Levei ele na Escola hoje, você sabia que ele está cursando o Científico?

Já repararam como os idosos falam das pessoas atuais com termos e nomenclaturas antigos? Ele achava isso maravilhoso...

Um ônibus aparece lá longe e a velha “número um” lhe pergunta:

- Qual é esse?

- É o vinte e dois, vai para o Centro – responde Ele, gentilmente.

- Quero ir para a Rodoviária. Posso pegar esse?

- Claro. Todos os ônibus passam pela Rodoviária.

O ônibus parou.

Sobem. Ele e mais umas vinte pessoas.

Para na roleta. No banco do cobrador estava uma moça de seus doze ou treze meses – pelo menos assim lhe pareceu – mascando um chiclete aroma morango misturado com café. Não era totalmente desagradável, mas o deixou tonto.

Deu o dinheiro e passou. Não ganhou nem um sorriso. Parecia que ele estava passando a roleta para entrar na casa da cobradora.

Por uma grande sorte encontrou um banco vazio.

Sentou-se. Ao lado dele, no banco perto da janela, havia uma senhora com uma criança de colo, daquelas que gritam estridentemente durante todo o trajeto do ônibus. Ele teve vontade de colocar um esparadrapo naquela buzina em forma de criança ou de jogá-la fora do ônibus.

O ônibus começou a se mover.

Ele passou, então, a verificar as fisionomias dos passageiros do ônibus. Tinha como hábito observar os passageiros e deduzir qual a profissão e para onde estava indo cada um deles. Ajudava passar o tempo.

Aquele senhor de pele morena, que usava bigode, obviamente estava indo para o trabalho, deveria ser encanador ou pedreiro. Estava sujo e cheirava muito mal. Era lógico que estava indo para uma obra.

O casal logo à frente estava provavelmente voltando de uma exaustiva viajem. Estavam carregados de malas e falavam sobre paisagens e lugares.

Ele começou a escutar a conversa do casal:

- Precisamos levar as fotos para minha mãe ver – comentou a moça.

- Tá, mas não deixa com ela senão ela vai perder como fez da outra vez – respondeu o rapaz.

- Meu bem, foi você que largou as fotos lá e esqueceu de ir buscar. Ela acabou jogando fora – disse a moça.

- Jogou fora? E você acha isso normal? – perguntou o rapaz com uma tremenda cara de espanto.

- Claro, as fotos estragaram – respondeu a moça.

- Estragaram? O que ela fez? Jogou as fotografias na máquina de lavar ou colocou no microondas? – perguntou o rapaz, bravo.

- Por que você sempre quer pôr toda a culpa na minha mãe. E se ela jogou fora? O que é que tem? – pergunta a moça, se exaltando.

- É engraçado, se fosse eu quem tivesse jogado provavelmente você pediria o divórcio. Mas, como é a sua mãe... - respondeu o rapaz, irônico.

- É claro. Se você jogasse, seria falta de amor – disse moça, mais controlada.

- E se fosse meu pai? – perguntou o moço.

- Também não haveria problema – respondeu a moça.

- Mentira – gritou o rapaz, levantando-se – se fosse o meu pai, você iria fazer a mesma coisa que você fez quando ele jogou aquela sua calcinha no lixo.

- Aquela calcinha era importada. Minha tia trouxe da França – respondeu a moça, quase aos berros.

- Uma calcinha importada é mais importante para você que as fotos da nossa viajem? Isso sim é falta de amor. Você gosta mais de uma calcinha do que das fotos da nossa viajem? - berrou o rapaz.

O casal estava gritando tanto que a criança ao lado dele parou de gritar e começou a observar, quieta, o desenrolar da briga. Aliás, o ônibus todo estava observando a briga. Todos pararam de conversar e estavam atentos ao que o casal falava.

A moça retrucou:

- Mas não é só pela calcinha que eu brigo com seu pai.

- Não, claro que não. Você reclama quando ele coça o nariz, quando ele deixa a toalha molhada em cima da cama dele, quando ele deixa a porta do banheiro aberta, quando escova os dentes, e por mais umas duzentas coisas idiotas – respondeu o rapaz, muito alterado.

-- Seu imbecil, e aquele dia que ele estava urinando e deixou a porta aberta. Nós tínhamos visita, lembra? – perguntou a moça.

Essa última pergunta fez com que todos no ônibus ficassem olhando para o casal. Parecia até que estavam vendo a decisão de uma Copa do Mundo ou a deflagração da Terceira Guerra Mundial.

-- As visitas eram aquelas minhas amigas do serviço. Elas já conhecem meu pai há mais de dez anos e sabem o jeito dele – respondeu o rapaz.

Nisso o ônibus pára.

-- É o nosso – diz ela.

-- Vamos, mas não vai ficar falando merda agora pro meu pai, tá? Se você falar eu vou direto para o bar encher a cara - ameaçou o rapaz

-- Vou pensar – respondeu a moça.

O casal desceu.

Tinha sido uma briga boa. Nota 8,5. Dificilmente Ele irá ver outra briga dessas, talvez só daqui a seis ou sete meses. A última briga teve até pancadaria e o motorista foi obrigado a parar o ônibus por causa do marido bêbado que ameaçava a mulher com um alicate de unha.

Depois da briga vieram as reações dos passageiros.

O ônibus todo começou a comentar sobre a briga: “Você viu a baixaria?”, “Eu acho que o rapazinho é corno“, “Ela é como eu: tem que por o homem no lugar dele”, “Aquele pai do moço deve ser meio doido”, “Acho que ele não dá conta dela”, “Acho que ele é viado “.

É incrível o que uns poucos minutos de briga podem fazer com a mente das pessoas. Ninguém sabe da vida do casal, mas todos já têm opiniões formadas.

O ônibus parou. Ele desceu.

Final da angústia. Agora Ele tinha que atravessar aquelas três quadras até o escritório.

Foi fácil.

Chegando ao serviço, ele cumprimentou o porteiro com o tradicional: “Bom-dia” e foi bater o ponto.

Pronto. O dia de trabalho começou para aquele nobre e capacitado funcionário daquele ridículo e péssimo escritório daquela empresa que fabrica produtos químicos.

Ele tinha uma grande função ali dentro: Redigia todos os memorandos, circulares e demais comunicações entre a Diretoria e os funcionários, ou seja, entre o chefe e os coitados.

Como sempre, na sua mesa havia serviço suficiente para 12 dias de trabalho árduo. Mas, como o trabalhador moderno é um escravo remunerado, informatizado e sindicalizado, o que ele poderia fazer? Reclamar? E o emprego? E as crianças? E a mulher? E o ferro de passar?

Pegou o primeiro bilhete: “Não esqueça de ligar para o Sérgio”.

Não era nada de mais. Era um funcionário que havia sido afastado e queria que Ele pedisse para o patrão que colocasse no mural do escritório um conjunto de poesias que havia escrito

Ele não tinha a menor coragem de falar com o patrão, porque o débil mental do Sérgio não sabe diferenciar uma vírgula de um ponto, ou seja, as poesias dele eram tão mal escritas que pouco dava para compreender o que o maluco queria dizer.

Ele jogou o bilhete fora. Diria ao Sérgio que o chefe achava aquilo desperdício de tempo e de dinheiro, o que não seria de todo uma mentira.

Os outros recados eram coisas rotineiras: “Preciso falar com você sobre aquele caso do fulano”, “Você leu o jornal de ontem? A Alemanha ganhou de dois a zero”, “A Lúcia da recepção tá dando a maior bola pra você”, “Você tem que me pagar aquele livro de auto-ajuda”. “Tenho que pegar o dinheiro até segunda sem falta”

Tendo resolvido tudo aquilo, passou ao trabalho.

O primeiro memorando do dia era sobre o uso de crachás. O Presidente da empresa estava cansado de cobrar do pessoal do Centro de Processamento de Dados para que eles usassem o crachá dentro da empresa. Então, os diretores ordenaram a Ele para que fizesse um aviso informando que se alguém do setor de processamento de dados fosse pego sem o crachá seria suspenso por dois dias.

Depois de ler bem o que tinha que fazer, Ele ligou o computador.

Ele passou então a trabalhar, a fazer o seu serviço. Redigiu o aviso solicitado, e depois fez ainda uma circular e um memorando.

O trabalho dele até que era fácil. O que complicava é que, a cada dois minutos, aparecia um idiota para falar qualquer asneira ou para perguntar a Ele alguma informação sobre este ou aquele memorando.

Parecia que era só Ele que trabalhava ali. Todos os outros ficavam tomando café, contando piadas, lendo jornais, telefonando para a noiva ou namorada, comentando sobre programas de TV, falando sobre futebol, enfim, não trabalhavam.

O único que era cobrado de algo era ele, provavelmente porque o serviço dele era o mais visível. Por exemplo, se algum diretor não visse o memorando, aviso ou a comunicação que havia pedido, o Presidente ou o Diretor Geral davam uma tremenda bronca e até gritavam com Ele. Mas, se um outro funcionário deixasse de fazer o seu serviço por duas horas ninguém falava nada.

O problema, na verdade, era a total desorganização da empresa. A confusão era tanta que a Diretoria, para comemorar o aniversário do Presidente, fez três festas surpresas para ele em um mesmo ano e nenhuma delas era na data correta. Nas três vezes o Presidente recebeu a comemoração como um reconhecimento pela sua excelente gestão.

Na empresa havia um acúmulo monstruoso de papéis, livros, formulários, talões, dossiês, pastas, e mais uma dúzia de itens sem a menor serventia. Uma vez, mandaram que os químicos do Laboratório da empresa fizessem uma pesquisa bem ampla sobre um produto mencionado na capa de uma revista especializada, mas, devido à desorganização total da empresa e ao número exagerado de revistas, foi enviada para o laboratório uma revista pornográfica com uma foto muito “interessante” na capa. O chefe do laboratório protestou, mas até hoje ninguém soube de quem era a revista, pois, segundo a Diretoria, a empresa não faz assinatura de revista desse gênero. A empresa talvez não, mas os diretores, quem sabe?


A confusão era tanta que havia, em uma mesma pilha de papéis, documentos internos da empresa e revistas de mulheres nuas. Aquela empresa parecia muito com uma livraria ou com uma banca de jornal. Se você procurasse, encontraria tudo: livros espíritas e evangélicos, milhares de Bíblias, revistas femininas, todo tipo de revista pornográfica, enciclopédias, cópias de contratos e escrituras de pessoas desconhecidas, fotos, listas de compras de supermercado, catálogos, inúmeras mensagens de auto-ajuda, revistas de palavras cruzadas, receitas, fórmulas químicas, livros de química, apostilas dos mais variados cursos, piadas, desenhos, e outras coisas parecidas.

A Diretoria nem reparava nisso e nem poderia, pois eram três vezes mais desorganizados. Na sala do Diretor Geral, por exemplo, não há como se encontrar qualquer documento, pois existem dois armários e duas escrivaninhas abarrotadíssimos de tudo o que se possa pensar. O Diretor não arruma a sala há pelo menos uns cinco anos.

Era nesse ambiente estranho em que Ele trabalhava.

Sem que Ele notasse, já se passara todo o período da manhã e já era hora para sair para almoçar.

A empresa mantinha um restaurante próprio que fazia pratos que, embora fossem horrorosos, matavam a fome. O funcionário se servia o quanto queria e pagava um valor único, o que não era lá muita vantagem, porque a comida era ligeiramente desagradável.

Os funcionários faziam fila e pegavam o quanto queriam dos pratos que eram servidos. Para o almoço daquele dia, estavam servindo: isopor moído (arroz branco, totalmente sem gosto), sopa de pedrinhas (feijão preto, que quase sempre era servido cru), areia (farofa seca e difícil de mastigar), sola de coturno com muita cola e coberto de sangue (bife bem duro coberto com molho de tomate e um queijo muito borrachudo), concreto armado recheado com material orgânico (torta muito dura com recheio de uma carne parecida com a de frango), purê de batatas (não era ruim, mas era muito pesado) e muitas saladas (que ninguém comia porque sempre vinham cheias de terra). Para beber tinham que escolher entre petróleo (café feito há pelo menos duas semanas) ou suco de laranja (que tinha gosto de tudo, menos de laranja). E, por fim, tinha a sobremesa: pão preto (bolo de chocolate que de chocolate só tinha o nome).

Depois de fazer o prato, Ele passou para a sala de almoço. Era uma sala grande, com várias mesas e cadeiras. Seria uma sala muito boa e tranqüila se não fosse a música ambiente.

Foram os Diretores da empresa que tiveram essa idéia maravilhosa de colocar música quando os funcionários fossem comer. O problema é que a Diretoria só trocava o disco de músicas uma vez por ano, o que significava que o funcionário tinha que ouvir mais de duzentas vezes a mesma música. Nesse ano o disco era de Frank Sinatra e Ele já havia decorado a melodia de “Strangers in the Night” mesmo sem saber inglês e nunca ter ouvido Sinatra antes.

No ano anterior, a Diretoria tinha escolhido um disco de Roberto Carlos e, além das músicas tocadas na sala de almoço, Ele passou a ouvir a música “Detalhes” sendo assobiada e cantada por cerca de 80% dos funcionários da empresa o dia inteiro. Nos outros anos foram Ray Coniff, Pavarotti, Beatles, Cauby Peixoto, Nelson Gonçalves, Chico Buarque e muitos outros.

Essa espécie de tortura psicológica fazia a pessoa ter ódio do cantor, conjunto ou músico que estivesse cantando ou tocando. Se o funcionário gostasse o artista teria um ano bom, mas, se não gostasse, seria torturado um ano inteiro.

Apesar de não conhecer muito bem Frank Sinatra, Ele até que gostou da voz do cantor e da melodia da música, o que fez com que esse ficasse menos aborrecido trabalhando.

Pontualmente a uma e meia da tarde tocava a sirene para todos voltarem aos seus postos de trabalho. Era um som estridente e irritante. Todos os funcionários xingavam o sinal de entrada: “Esse som do cacete....”
“Já ouvi, corno “ “ Enfia esse apito no...” “ Vai assobiar para tua vó”.

Esses três fatores (a comida, a música da sala de almoço e a sirene) faziam com que os nossos bravos operários entrassem para o trabalho com a mesma vontade com que os judeus entravam na câmara de gás na Segunda Guerra Mundial. As fisionomias eram de quem estava indo para um enterro e não de quem voltava para o trabalho.

Ele voltou para o escritório e leu alguns novos bilhetes: “Não esqueça de me mandar aquele memorando do dia 15”, “Redija o memorando que o Diretor de Esportes pediu” “Escreva a circular que o Gerente de Vendas pediu”.

Ele ainda não tinha entendido qual era o motivo para a existência de um Diretor de Esportes. Afinal, era uma indústria química ou um clube de futebol? Por que então não criamos o Diretor Clínico? E o Diretor Musical? E Diretor de Palco? Era essa falta de bom senso que Ele não entendia. Será que era só Ele que enxergava isso?

Mas, trabalho é trabalho, demissão é demissão e justa causa é justa causa. Tinha que prosseguir. Foi ao primeiro trabalho.

- Meu amor, tudo bem?

Ouviu, mas não compreendeu. Quem seria?

- Sou eu, lembra?

Era Lúcia, a recepcionista que foi promovida ontem a Secretária do Diretor de Finanças. Nessas horas Ele se perguntava: Por que eu casei?

- Está muito ocupado? – perguntou Lúcia

- Não – respondeu Ele, sorrindo para ela.

Ele observava aquelas coxas bem grossas, aquelas nádegas bem sensuais, aqueles seios...

-- Tem certeza? Você está muito pensativo – constatou Lúcia

-- Estava pensando em como você fica cada dia mais bonita – disse Ele, galantemente.

-- Bobagem sua, não sou bonita. Você faria um favor para mim? – perguntou Lúcia alegre.

-- Claro, meu anjo – respondeu Ele, sorrindo.

-- Pode fazer esse memorando para mim? Meu chefe me pediu, mas eu não sei fazer – entregou umas folhas para Ele e acrescentou – é muito grande e eu tenho que sair mais cedo hoje. Tenho um compromisso muito sério em casa, com meus pais.

-- Faço hoje mesmo – disse Ele.

-- Mas, você vai ter que ficar até mais tarde. Tudo bem, mesmo? – perguntou Lúcia e acrescentou – Não vai poder voltar atrás.

-- Sem problema. Deixa que este seu criado cuidará do assunto – respondeu Ele, sorrindo e acrescenta – Eu faço isso por prazer.

-- Um dia eu te pago a gentileza – disse Lúcia.

“Espero que sim” – pensou Ele, mas disse apenas.

-- Tá, um dia.

Lúcia foi embora.

Ele ficou pensando como seria uma noite com aquele mulherão. Será que ela é devassa? Será que ela faz tudo? Ele teria que cobrar a gentileza, pois já haviam lhe dito que ela estava interessada nele.

Ele nunca teve experiências fora do matrimônio. Somente antes, mas quando era jovem e sem experiência. Agora, casado, Ele sonhava em possuir uma moça bonita e escultural como Lúcia sentir como seria o sexo com uma outra mulher que não fosse a sua.

Ele não tinha nada contra o sexo com sua mulher, mas tinha aquela antiga fantasia de fazer sexo com uma outra mulher, mais agressiva, mais tarada, mais sensual. Lúcia seria uma boa idéia.

Começou a fazer o memorando. Caprichou. Recorreu até a termos difíceis e expressões em inglês e, até mesmo, em latim. Leu e releu o memorando umas cem vezes.

Ele saia do serviço às seis da tarde, mas, quando terminou o memorando, já eram quase cinco. Isso significava que teria que trabalhar até mais tarde, o que era normal. Nada que assustasse sua doce esposa.

Continuou trabalhando nos memorandos ordenados pelo chefe, quando o Souza, do Centro de Processamento de Dados, veio conversar com Ele.

- Fala ai, burro de carga. Vai trabalhar até quando? – perguntou Souza

- Não muito, só vou terminar isso aqui – respondeu Ele, sem tirar os olhos do computador.

- Você trabalha e perde tempo, cara. Para você ver, a Lúcia da recepção até desistiu de você. Ela está até namorando outro – disse Souza.

Ele parou e observou bem Souza.

- Você não sabe de nada. Ela está trabalhando agora como secretária do Diretor de Finanças – disse Ele, rindo.

- Eu sei. É com ele que ela está namorando. Foi por causa do namoro que ela ganhou o emprego, bobinho – disse Souza, entre risadas.

Ele ficou olhando para o nada.

- É. Fica ai com o seu trabalho enquanto os dois se divertem na casa dos pais dela. Ela o convidou para ir lá comer uma Lasanha especial que a mãe dela faz e ele aceitou – disse Souza e acrescentou – Eu vou embora para casa e depois vou sair e fazer muito sexo com muita liberdade.

Souza saiu correndo e Ele se sentiu como o mais idiota dos idiotas.

Ele ficou com muito ódio. Precisava se vingar de Lúcia.

A única solução que via era refazer o memorando e enche-lo de erros de português, deixando o texto totalmente sem sentido.

O raciocínio era o seguinte: Como a Lúcia pediu para Ele fazer o memorando, ela provavelmente estava supondo que o texto seria maravilhoso o suficiente para agradar o namorado e ganhar a confiança dos demais diretores. Com um texto sem sentido e cheio de erros, o namorado e os diretores irão demiti-la sumariamente, sem maiores explicações.

Ele fez o memorando de tal forma que não dava para saber se era um memorando ou uma carta de despedida. Os erros eram grosseiros e aberrantes e estavam por todo o texto.

Ele sabia que a funcionária acabaria sendo mandada embora. O Diretor de Finanças odiava erros de português e lia todos os documentos que tinha que assinar. Era um professor de português aposentado e não tolerava erros de ortografia, nem mesmo por parte da mulher. Chegou a se separar dela por causa disso.

Depois de deixar o memorando na mesa da secretária, resolveu ir embora. Já havia se cansado de trabalhar e tinha sido feito de idiota por uma secretária sem vergonha.

Bateu o ponto. Eram sete e meia da noite.

Antes de se dirigir ao ponto de ônibus, que nesta hora da noite deveria estar lotado, Ele resolveu fazer aquela parada tradicional no bar do Zeca. Nada melhor havia que terminar um dia de trabalho cansativo e depois sentar num banco de bar e tomar uma cerveja gelada.

Não era todo dia que Ele conseguia ir ao bar. Sempre havia contratempos: pegar um doce na padaria, passar na casa do cunhado para cobrar a devolução da furadeira, ir ao aniversário de um dos milhares de amiguinhos dos filhos e outras tantas obrigações sociais inadiáveis.

O bar do Zeca era aquele típico estabelecimento horroroso e fétido, mas era freqüentado por todos os seus amigos e colegas de trabalho. Portanto, o melhor era agüentar e relaxar.

- Aquela especial, bolão – disse Ele.

Bolão era o apelido de um dos funcionários do bar, que era gordo, indolente e extremamente lento. Você pedia uma cerveja em maio e ele só lhe trazia em fevereiro, isso se você tivesse muita sorte.

- Traz logo. Não vou ficar aqui a noite toda vendo você andar até a geladeira, né bolão?

- Tá bom. Está aqui...

Enquanto Ele esperava o abençoado e precioso líquido de final de expediente, alguns colegas começavam a chegar e a pedir a sua respectiva bebida. Aos poucos iam conversando sobre os assuntos do dia, sobre os problemas da empresa e a hora passava lentamente.

- Vamos jogar?

Essa pergunta era do Jaílson, um dos motoristas da empresa, que era viciado em bilhar e todo santo dia o convidava para uma partida. Compraram algumas fichas com o Zeca e foram jogar.

- Acerta a sete

E o jogo ia se desenrolando.

Sempre no meio do jogo surgiam naquele bar algumas figuras estranhas que atrapalhavam o andamento do jogo: o bêbado Walcir e a prostituta Sandra.

Walcir era um bêbado já conhecido, que vivia dizendo para todo mundo que era advogado e que trabalhava em Brasília. Quando chegava, queria comandar o jogo de bilhar, dizendo que havia competido em um campeonato mundial e outras loucuras parecidas. Seus conselhos eram ridículos e, na maioria das vezes, ele falava tanto que fazia os jogadores errarem.

Já Sandra conseguia distrai-los porque era uma mulher muito atraente e ficava mostrando suas qualidades para alguns colegas solteiros e desimpedidos, o que prejudicava o bom andamento do jogo.

Depois de três partidas, Ele resolveu ir embora. A mulher iria fica brava de ele se demorasse mais...

A volta para casa, no ônibus, foi uma verdadeira tortura. São cerca de seiscentas pessoas apertadas em uma lata de sardinha (é essa, ao menos, a impressão que se tem). Além da pressão corporal, havia ainda aquele odor nauseabundo característico que é emanado das axilas de alguns dos passageiros. O efeito de tal odor era quase anestésico e Ele aproveitava sempre para dar uma boa cochilada (de preferência quando conseguia algum lugar para se sentar), o que fez com que, muitas vezes, acordasse somente dois ou três pontos depois do seu.

Ao descer do ônibus, respirou profundamente (precisava de oxigênio) e dirigiu-se para casa, mas, no meio do caminho, lembrou de ir à farmácia comprar remédio para gripe: Era para o filho maior.

Chegou em casa.

- E ai? Comprou o remédio? – disse a mulher

- Boa Noite, o meu dia foi chato e cansativo – respondeu Ele jogando a embalagem no sofá – será que você poderia ser amável de vez em quando...?

- Desculpe. Você está muito cansado? – disse a esposa com ironia.

- Estou cansadíssimo, por que? – respondeu ele, estranhando a reação da mulher.

- Jogou muito bilhar e bebeu bastante, né? Seu bafo te compromete – disse a mulher rindo

- É crime? – perguntou

- Ainda não

- Bom, se não é crime vou subir, tomar um banho e aguardar o jantar.

Ele ia se dirigindo para o quarto quando ela diz:

- Calma ai moço, aquele seu amigo anormal ligou, quer lhe contar algo – disse ela sorrindo.

- Deus, o que eu fiz para merecer isso? Foi o bilhar? – gritou ele, como se estivesse falando com os céus.

- Ele disse que ligará daqui... - ela consulta o relógio –...em cinco minutos

- E se eu me matar antes disso? – pergunta ele

- Não acho boa opção – respondeu ela – você tem uma obrigação aqui comigo, lembra-se?

-- Tá bom, vou cumprir o nosso contrato até o fim – brincou – decidi não meter uma bala na cabeça, até porque não tenho arma em casa...

- Pare com essas idéias suicidas antes que eu mesma te mate – respondeu ela.

- Bom, é melhor eu fugir e me trancar no banheiro – disse isso e deu um beijo na mulher.

Ele até gostava dessas brincadeiras ao chegar em casa. Era salutar. Mas a ligação do seu amigo azedou um pouco a sua chegada em casa. Aquele amigo sempre conseguia triturar sua paciência e o infeliz ainda ia ligar para novamente lhe contar sobre seu divórcio. Que coisa mais chata!

Antes do banho Ele aguarda a tão esperada ligação.

Toca o telefone:

- Fala – atendeu já com aquele tom de ódio sufocante.

- Sou eu... - a voz parecia vir de Estocolmo

- Eu sei. Fale

- Nós voltamos... - disse o amigo, sem o menor ânimo.

- Como? Voltaram?

- Sim, voltamos...

Ele não sabia se aplaudia ou se vaiava

- Bom...

- Mesmo?

- Claro

- Graças a Deus. Eu precisava mesmo do seu apoio porque eu não sabia se continuava com o casamento depois disso tudo. Depois de ouvir a sua aprovação, eu tenho certeza que dei o passo certo. Vamos tentar novamente. Você é um cara muito legal, um amigão de verdade...

- É, eu sei – respondeu Ele, sem saber bem o que dizia.

- Vamos ai visita-los essa semana. Tudo bem?

- Acho que não há problema.

- Depois combinamos - falou o amigo - ....tchau

- Boa sorte...

Amigão? Aprovação? Quem disse que Ele era amigo daquele pobre diabo? E quem disse que Ele era um cara legal?

- Como foi? Ele vai se matar hoje ou amanhã? – perguntou a mulher

- Prepare-se, tenho duas noticias para te dar: uma ruim e outra péssima.

Ela senta-se em uma cadeira e diz:

- Manda as duas de uma vez só

- Eles voltaram e vão nos visitar essa semana.

Ela fica muda

- Tá vendo, foi castigo... - disse ele

- Aquele imbecil e a mulher covarde? – perguntou ela

- O casal simpatia, recém reunido e totalmente indeciso. Ele diz que fui eu quem o apoiou. Chegou até a me chamar de amigão...

- Essa não – falou ela, pondo a mão na cabeça – isso significa um laço mais próximo.

- O futuro nos aguarda...

- A sua idéia de suicídio não é tão má, afinal... - disse ela

- Olha a minha responsabilidade agora. Eu sou um exemplo para ele. O que acontecerá a ele se nós nos matarmos?

- Tá bom, vamos ser boas pessoas e ajudar um casal em ruínas.

- Deus deve estar dizendo: “Esses dois eu ponho no paraíso com direito a hotel cinco estrelas. Já sofreram demais ajudando aqueles dementes...”.

Depois de todas essas más notícias Ele foi tomar banho e reuniu-se com a família para o jantar. Ele engole dois pedaços de carne e toca a campainha.

Tensão

- Será que são eles? – perguntou Ele

- Será que é o demente do seu amigo, comunicando outra separação? – perguntou ela.

A tensão foi desfeita. Era apenas o cunhado pedindo um empréstimo para comprar dois cachorros da raça Fila.

- Por que dois cachorros? – perguntou Ele

- São as crianças... - diz o cunhado, meio sem graça.

- Exatamente por isso. Não seria melhor um...?

- Eles querem dois...

- Então, por que não compra dois cães menores?

- Não, tem que ser Fila.

Ele acabou desistindo de tentar convencer o maluco do cunhado a desistir da compra e acabou lhe passando um cheque com o que sobrou da sua poupança. Ele teve que se conformar, pois sabia que teria que esperar umas dez ou onze encarnações para poder receber o dinheiro de volta. Mas, paciência...

Depois do jantar, ele foi assistir TV. Mas, o sono veio forte e Ele subiu, vestiu o pijama e desabou na cama. Desabou na cama ciente que sexo não iria ter nesta noite, porque sexo era somente de quinta e Domingo. Mas, nada tinha a reclamar.

Olhou para o teto e lembrou-se do que tinha passado no escritório por causa da Lúcia, aquela secretária sacana, e do troco que ela mereceu. Ficou feliz então por saber que tinha uma mulher fiel e compreensiva - uma pessoa honesta - e que sua vida era boa.

Um dia de trabalho e muito cansaço se foi. O que o destino aprontou para Ele amanhã? Mais amigos com problemas? Mais secretárias gostosas querendo dar...........golpe? Não importa, ele superaria tudo e daria a volta por cima. Mas,...

O sono veio.

E assim foi mais um dia na vida de um trabalhador comum.