quarta-feira, 10 de novembro de 2010

"O Último Retrato", Opus 12, by Fábio Zafiro Filho



Sérgio era uma pessoa diferente. Não era uma pessoa normal que trabalha, come, sai para se divertir, anda com mulheres, visita amigos, dança, e faz as milhares de coisas normais diárias do cidadão comum moderno.

Sérgio lia muito, gostava de música e, principalmente, tinha o hábito de observar a vida, de qualquer um. Era um homem que observava os hábitos dos outros, sem fazer avaliações ou filosofar a respeito do que via e sentia. Bastava ver!

Essa esquisitice de Sérgio começou logo na infância, quando observava os amigos e amigas de escola conversando e brincando no pátio do colégio. Observava também os professores, os inspetores de aluno, faxineiros e, até mesmo, o Diretor da escola. Todos eram objetos da observação de Sérgio.

Alguns o achavam maluco, outros pensavam que ele era tímido e alguns poucos acreditavam que Sérgio era um garoto normal. Os professores sempre se questionavam se seus ensinamentos estavam conseguindo entrar naquela cabeça aparentemente doentia, mas nunca tinham certeza.

Sérgio era um dos melhores alunos da classe, mas, se prestava a atenção em dez por cento da aula era muito. Ficava divagando por minutos intermináveis observando detalhes da roupa de uma menina ou no giz que o professor estava usando. Nunca se sabia ao certo em que ele pensava.

Um dia, o Diretor chamou a mãe de Sérgio para uma conversa (o pai de Sérgio havia falecido quando ele tinha quatro anos) com um psicólogo e com uma Assistente Social. Os especialistas concluíram que Sérgio era um menino com uma inteligência muito elevada, com tendências artísticas e que teria muitos problemas para se adaptar com os demais garotos. Segundo os doutores, para Sérgio, toda a escola era fútil e sem qualquer sentido, um local de loucos e de idiotas Afirmaram ainda que o caso dele era delicado e que auxiliariam a mãe e os professores, acompanhando o desenvolvimento do menino.

Eles ajudaram, mas a mãe de Sérgio acabou por conseguir um bom emprego numa cidade próxima e ambos tiveram que mudar para lá. A partir de então, o menino acabou por ficar em casa, só e sem ajuda profissional. A escola da nova cidade, “Escola Municipal 22 de abril”, não aceitou o menino, pois o Diretor da outra escola mandou uma carta informando aos professores deste novo colégio que Sérgio era um aluno que precisava de cuidados especiais, por ter inteligência superior.

O Diretor da “Escola 22 de abril” achou melhor deixar o menino em casa do que aceitar um aluno diferente em sua escola. Preferiu deixar o problema em casa a enfrentá-lo.

O menino acabou por se tornar uma pessoa só, morando com a mãe, que o tratava com muito zelo, embora ainda acreditasse que Sérgio era um retardado ou um louco.

Com o tempo, o menino virou rapaz, e depois, virou Homem.

Sérgio, com seus 32 anos, ainda vive com a mãe, que hoje está com 60 anos, naquela mesma cidade para onde se mudaram. Sérgio não trabalha. Ele apenas lê, ouve música, desenha, pinta, e OBSERVA.

Sérgio passou a fazer da observação uma atividade diária, um prazer sem limites e insuperável.

Logo pela manhã, depois do café, Sérgio sai de casa e começa a caminhar, sem destino. O itinerário era sempre incerto. Várias vezes ele saia e dava voltas pelo quarteirão por várias horas até voltar para casa. Nunca se sabia para onde ele iria.

Andava, andava e andava. Parava aqui, cumprimentava um e outro (Sérgio era comunicativo, mas somente quando lhe parecia conveniente ou quando lhe era prazeroso), comprava um doce, e prosseguia.

Daí ocorre a chance para o primeiro retrato do dia. Sérgio pára e olha.

Era um casal de idosos andando, bem abraçados, como se tivessem acabado de se casar. Ela dava um beijo na testa dele e ele sorria. Ele deveria ter 68 anos e ela uns 62 (Sérgio era preciso em adivinhar idades).

Sérgio começa a reparar nos detalhes. Ele andava com dificuldade, o que poderia ser conseqüência de problemas cardíacos ou de coluna; quanto a ela, deveria estar com uma saúde melhor, pois amparava os passos dele.

A roupa dele devia ser um terno dos anos 70, bem amarrotado, cinza claro. O velhinho usava ainda camisa sem gravata, lenço branco, sapatos pretos, e estava bem perfumado. Em um dos bolsos do paletó havia uma carteira e no bolso esquerdo da calça havia um molho de chaves. Provavelmente iam à Missa das nove horas, na Igreja Matriz.

Já a velhinha ia com uma saia bem longa preta e com uma blusa de lã verde escura. Usava sapatos pretos, um colar de pérolas, uma bolsa de couro e carregava uma Bíblia. Também estava muito perfumada.

Sérgio via que andavam bem devagar como se estivessem apreciando cada passo. Pararam um momento para cumprimentar um casal que passava e continuaram a caminhar. Nesse momento, tendo ao fundo uma árvore centenária e ao lado direito um carrinho de pipoca, Sérgio registrou em sua prodigiosa memória mais este retrato.

Era esse o divertimento de Sérgio: visualizar cenas belas e marca-las na mente, como em um álbum de retratos. Sua mente prodigiosa dava a ele o poder de gravar na memória momentos e cenas cotidianas que para qualquer um seriam inúteis, mas que, para ele, eram o motivo para poder continuar vivendo.

Sérgio era um artista, como previram aqueles especialistas de outrora, mas era um artista que não precisava de instrumentos, pincéis, máquinas, barro, tintas, partituras, palcos, e outros acessórios. Ele bastava a si próprio; era, ao mesmo tempo, o artista e o único espectador de sua obra, e o melhor, o único a julgá-la.

Para muitos essa arte pode soar como algo anormal e surreal, mas a verdade é que Sérgio se sentia muito feliz consigo próprio. Era uma pessoa realizada. Não precisava de mais nada e de mais ninguém, bastava ver e sentir e mais nada.

O arquivo de retratos de Sérgio (se é que assim podemos dizer) é imenso. Tem ele retratos de paisagens, pássaros, crianças, velhos, enfermos, casais, pessoas da família, pessoas ilustres da cidade, cenas de crime, cenas de briga, cenas de amor, e, até cenas de sexualidade.

Quando queria puxar uma dessas cenas ou momentos na memória era só pensar e em segundos estava lá o retrato com todos os detalhes, bem colorido, e perfeito, como uma foto, um filme ou um quadro.

Era uma arte de um homem só. Um só artista, um só espectador, e um só crítico. Era uma arte perfeita, mas que era impossível de ser passada adiante.

Depois dos velhinhos, Sérgio seguiu em frente.

Estava contente consigo próprio, pois tinha conseguido um dos melhores retratos do mês. Começou a caminhar devagar, de volta para casa, como se tivesse acabado de concluir uma obra literária ou pintado um belo quadro.

Resolveu andar até a Igreja. Viu o Padre regando o jardim como sempre fazia logo cedo e o cumprimentou. O sacerdote era o único naquela cidade que parecia entender os pensamentos de Sérgio. O olhar do Padre traduzia compreensão, algo que Sérgio nunca chegou a saber bem o que significava.

Depois de passar pela Igreja e pela Prefeitura, Sérgio seguiu por uma ladeira, que levava até o clube. No meio da ladeira, Sérgio nota uma cena interessante: uma criança brincando com a mãe.


Sérgio se aproxima mais, observa mais detidamente e se assusta. Era a mulher mais bonita que já vira na vida. A criança brincava alegremente enquanto a mãe lhe fazia cócegas e caretas, com a sutileza de uma jovem camponesa.

A beldade tinha cabelos loiros com mechas caindo pelos ombros. O penteado estava desfeito, devido ao vento e aos puxões e empurrões da criança brincalhona. Usava um vestido florido com rosas vermelhas e fundo branco, e sapatos brancos.

Sérgio ficara parado observando, o que chamou a atenção da criança que falou:

-- Quer brincar também?

A mãe falou que a menina não devia ficar abordando estranhos na rua. As pessoas tinham coisas sérias a fazer e não poderiam ficar brincando com ela.

Sérgio não falou nada. Começou a sentir um calor, uma sensação de prazer misturado com inquietação. Não sabia bem o que era. Continuou observando a moça detidamente. Seus traços eram suaves, leves como uma pluma e seus olhos pareciam duas pedras preciosas raras e de elevado valor. Era uma mistura de um ser angelical com uma camponesa antiga.

O coração de Sérgio bateu forte. Emoções começaram a ferver seu sangue e a transformar seu cérebro num tufão de pensamentos. Seus sentidos pareciam estar entrando em colapso total, sentia impulsos sexuais e amorosos com tal intensidade que não sabia mais o que fazer.

Numa resolução bem íntima e intensa Sérgio acabou por retratar na memória a cena da mãe brincando com a filha. Foi algo extremamente difícil naquele momento. Sérgio parecia estar no meio de uma guerra de nervos, com sentimentos, impulsos, instintos e pensamentos se amontoando no seu cérebro. Estava prestes a explodir ou a enlouquecer completamente.


Quando finalmente conseguiu memorizar o retrato, Sérgio marcou bem o momento no cérebro como a conclusão de uma obra suprema e, depois, caiu no chão, desfalecido.

Tinham sido suas últimas emoções. Havia falecido de um ataque cardíaco fulminante.

Mas, Sérgio havia conseguido o que todo artista sempre almeja: a obra prima, a obra suprema, a obra máxima. Tinha conseguido marcar na memória, por segundos apenas, o mais belo de todos os retratos que havia conseguido guardar na vida.

Era o mais belo porque vinha carregado de um amor súbito e ardente. Amor este que provocou emoções extremas no cérebro puro e racional de Sérgio, que, apesar de ser extremamente inteligente, era um iniciante em matéria de sentimentos.

Sérgio acabou por levar sua obra máxima e seus sentimentos elevados e ardentes juntamente com sua alma luminosa, inteligente e amorosa. Ninguém saberá que houve neste planeta artista tão apaixonado.

Com o seu súbito ataque, Sérgio acabou sendo um dos protagonistas de uma bela cena para ser retratada: a criança, pura e casta, sem entender o que acontecera com aquele jovem moço, estava acariciando suavemente a testa de Sérgio, em uma ilusão de que ele poderia estar dormindo.

Este maravilhoso retrato Sérgio não pôde registrar na sua memória, e, infelizmente, apesar da cena ter sido fotografada, a foto não foi utilizada no dia seguinte, na reportagem de capa do jornaleco local, cuja manchete era: MORRE O LOUCO DA RUA COSME.




"Funcionário Público", Opus 11, by Fábio Zafiro Filho


Observando o horizonte! Era isso mesmo que Joaquim queria fazer naquele exato momento: ler um bom livro e, ao deixar a leitura por um tempo, observar o horizonte ensolarado e cheio de árvores de um local qualquer no interior do país.

Imaginava o sol quente e ele na sombra de uma varanda sentado em sua cadeira, lendo um livro qualquer e observando a natureza.

Joaquim estava lá e observava tudo: um boi pastando aqui, uma criança correndo lá. Tudo verde, tudo limpo, tudo sereno. O sol com um leve vento frio. “É, meus filhos, o inverno está chegando” diz um senhor de idade aos netos na rua em frente da varanda. O cachorro late e vem deitar ao seu lado, aguardando a comida e um gesto de amizade. Ele abre o livro e continua lendo, era bom demais. É a vida.

Suas alucinações se desfizeram em fumaça. Uma pessoa ao seu lado espirra forte, lhe jogando alguns respingos de gripe ou resfriado. Tinha se realizado o choque da realidade através de um simples espirro. E a realidade não o satisfazia.

Aquela repartição pública cheia de pobres diabos. Pareciam todos saídos da mesma máquina industrial, da mesma linha de montagem. Eram autômatos que mexiam com papéis, canetas, carimbos, e todos aqueles aparelhos de uso cotidiano. O local tinha cheiro de papel velho, tinta, desodorante de segunda linha e perfume de oitava categoria. Aquele odor nauseabundo e sufocante o atordoava: era uma espécie de ópio..

Mas, aquela pessoa que havia espirrado bem ao seu lado estava lhes dirigindo palavras com muitos gestos nervosos. Parecia com raiva. Ele via a mulher – sim, era uma mulher – mas, parecia que ela estava atrás de uma tela de TV ou de uma parede de vidro. Ele fez um grande esforço e ouviu as lamúrias:

-- Eu venho aqui todo o dia durante um mês e vocês nem querem me atender – dizia ela, com ódio no olhar – Isso é uma palhaçada. E os meus direitos? Por que é que os meus papéis ainda não foram resolvidos?

-- Minha senhora, nós temos que aguardar a assinatura do Diretor, que está de férias. Já lhe disso isso dúzias de vezes e a senhora insiste em aparecer – intercedeu um colega de Joaquim.

Papéis? Por que o mundo atualmente parece reduzido a meros pedaços de papel com carimbos e palavras? Ah, mas agora Joaquim sabia que o mundo iria mudar, pois não serão mais os papéis que vão imperar na face da Terra e sim os números e os programas de computador. E, enfim, os carimbos e a papelada irão para o lixo.

-- Que vagabundagem! O Diretor está de férias – dizia a mulher aos berros – e não tem nenhum idiota que possa assinar estes papéis? Quem ele é? O presidente?

-- O Diretor substituto não quer assinar porque não sabe de tudo o que ocorreu no seu procedimento. Ele prefere aguardar o outro, que sabe de tudo e pode assinar – respondeu o rapaz com indolente calma.

-- Isso aqui é uma porcaria. Todos nós pagamos os salários de vocês e fazemos isso para que uns cretinos saiam de férias e outros imbecis nos atendam como se fossemos mendigos atrás de esmolas – gritava ela – Safados!

-- Minha senhora, eu entendo sua revolta, mas eu sou só um mero balconista, café pequeno. A senhora brigar comigo não vai adiantar nada, porque eu não posso resolver coisa alguma.

-- E quem pode? – perguntou a senhora nervosa.

A revolta da mulher tinha chegado aos ouvidos de Joaquim e ele percebeu que alguém teria que fazer algo para tirar aquela senhora dali. E lá foi ele se meter...

-- Eu posso – falou Joaquim, com calma.

-- O que você é? – perguntou a mulher

-- Sou o chefe dos balconistas – Joaquim era apenas um escrevente, mas vinha em auxílio do amigo e de toda a repartição – qual o problema?

-- São os meus papéis.

-- Já lhe deram a informação

-- Mas, isso tá errado, e os meus direitos?

-- Minha senhora, se fossemos falar em direitos, estaríamos empatados. Já tem alguns anos que não tenho aumento. Tenho direito, é verdade, mas e daí? Eles querem pagar?

-- Eu não estou nem ai para os seus problemas. Eu quero os meus papéis!

-- A senhora acha que basta eu estalar os dedos e “PLIM”, eis aqui os seus papéis? Tudo no Estado – soletrou esta palavra com leve toque pejorativo – necessita de papéis, carimbos e assinaturas. Por mim, lhe daria o que pede agora e estaria terminado, mas os papéis dependem de procedimentos, e os procedimentos dependem de carimbos e assinaturas. Se eu pudesse acabava com tudo isso, mas não sou um revolucionário e tampouco Deus.

-- É apenas um pau mandado

-- Não, sou apenas um burro de carga e nada mais. Faço o que me mandam. Não tenho o direito de reclamar, ao contrário da senhora. E tenho que levar as broncas e xingamentos aqui no balcão, enquanto os chefes tiram férias, folgam, saem para reuniões, viajam para certos congressos e várias outras atividades interessantes.

-- Você escolheu a profissão.

-- Não, eu passei em um concurso, pensando em estabilidade e em ter uma boa ocupação. Não queria ser um burro de carga, sem direito a reclamar.

-- Se não gosta, por que não pede demissão?

-- Tenho dez anos de repartição e trinta e cinco de vida. A senhora conhece algum balconista com trinta e cinco anos de idade?

-- Ta, entendi, o desemprego. É por isso que não sai. Então, você está frito.

-- É o que eu estava falando...

-- E o que eu tenho a ver com isso tudo?

-- A senhora precisa gritar e espernear? Será que não poderia ser gentil com quem não tem culpa nenhuma de estar trabalhando num cubículo destes?

-- Meu querido, eu preciso dos papéis. Posso até ter me exaltado, mas eu ainda continuo precisando deles.

-- Eu sei, mas como vou poder lhe atender? Não depende só de mim. Se dependesse, eu já teria lhe dado quando a senhora tinha iniciado a gritaria. Não gosto de procedimentos tempestuosos. Agora, a informação que posso lhe dar é a seguinte: O diretor que irá assinar a papelada volta na segunda-feira. Ele assinará o expediente por volta das duas. A senhora pode vir na terça e, provavelmente encontrará seus papéis aqui.

-- E se ele não assinar ou resolver pegar um gripe e ficar dez dias de licença?

-- Se eu pudesse prever o futuro, certamente não trabalharia aqui. Não sei o que vai acontecer, mas posso lhe dizer que ele precisa vir na segunda-feira para receber o pagamento e terá que justificar o pagamento com um mínimo de serviço. Então, eu acho que ele irá assinar os seus papéis.

-- Agora entendi. O pagamento – e a mulher começa a rir.

-- Se tivesse falado com mais amabilidade e com sorrisos, talvez eu lhe dissesse isso de pronto, mas a sua ira só prolongou as coisas.

-- É evidente que não tenho garantias, não é?

-- Não posso garantir nada pelos outros, só aquilo que faço ou tenho contato é que garanto.

-- Obrigada. Você me deixou mais segura, obrigada. Qual o seu nome?

-- Joaquim

-- Nome de santo. Talvez seja por isso que você seja tão tranqüilo e transmita tanta tranqüilidade.

-- Talvez.

-- Tenha um bom dia de trabalho – e, depois, sorrindo – de preferência sem pessoas histéricas e com muitas pessoas sorridentes.

-- É difícil. As pessoas vêm descarregar a sua ira em cima de nós e isso ocorre sempre. Pessoas calmas são raras. Mas, obrigado assim mesmo.

Joaquim retornou à sua paz interior, com seus horizontes infindáveis e suas leituras intermináveis. Imerso em sua vida particular e estritamente pessoal, tudo lhe parecia mais fácil. Tinha temor de voltar à realidade e de voltar ao mundo real, que lhe parecia tão artificial e irreal.

A mulher não voltou na terça-feira, como Joaquim recomendara, mas sim na segunda-feira, e acabou por fazer outro tumulto. Nesse dia Joaquim tinha ido levar alguns malotes para outra repartição. Ficou sabendo, depois, que a moça tinha sido levada pelos seguranças, pois a mesma tinha ameaçado um dos diretores com um grampeador.

A repartição toda contava o caso misturando horror e humor. Uma cena pesada e de humor negro. Ela foi levada para casa e seu advogado (calmo e sereno) solucionou o problema, embora tenha ameaçado – também com muita calma – representar o diretor perante a autoridade competente em virtude da negligência. O processo da moça, curiosamente, tramitou rapidamente e tudo ficou resolvido.

Joaquim reencontrou a moça dias depois em um boteco, depois do expediente. Ela estava comprando um cigarro e logo o reconheceu:

-- Fiz outro ataque lá no seu serviço.

-- Fiquei sabendo.

-- Consegui os papéis. Um advogado amigo meu disse que isso precisava de certa persuasão.

-- Ele foi bem persuasivo com o diretor.

Ambos riram.

-- Espero que possamos ser amigos – disse ela

-- Claro.

Depois se despediram e Joaquim nunca mais viu a moça. Ele soube, pela imprensa, que ela tinha sido presa por matar um guarda de trânsito. O policial a havia multado por ultrapassar um sinal vermelho e ela afirmava que estava indo salvar um amigo que tentava o suicídio.

De um suicídio inexistente ela acabou cometendo um homicídio, atropelando o guarda. Moça exaltada essa, não?

Mas, Joaquim não ligou muito quando leu a noticia no jornal. Era mais uma pessoa atrás da parede de vidro que sumia da sua vida, tal como havia entrado: como um cometa.

E, então, Joaquim, voltou para seu mundo interno e infinito, e passou a admirar a beleza de um cometa. Um cometa que estava no céu da sua consciência.

E tudo continuou como antes, como sempre. E tudo assim será.

domingo, 7 de novembro de 2010

"O Encontro", Opus 10, by Fábio Zafiro Filho


Luana estava pensativa: Iria só ou chamaria a Cibele para ir com ela? Aquele convite anônimo era tão inesperado e, ao mesmo tempo, muito excitante! Quem era aquele admirador, anônimo e secreto, que lhe mandava flores tão lindas e, no cartão, falava coisas tão doces e ainda a convidava para ir ao cinema?

Ela tinha recebido as flores em seu trabalho e as meninas tinham ficado com inveja. Nenhuma delas ganhava flores dos namorados, noivos ou maridos. E justo a única funcionária solteira da loja havia recebido flores tão lindas! Até a dona olhava para ela com ares de “O que essa garota tem que eu não tenho?”.

Quem seria o admirador?

Ela não tinha a menor idéia.

Alguém da loja?

Algum vizinho tímido?

Sim, ela já tinha recebido flores varias vezes em sua vida. Mas, geralmente sabia muito bem que as enviava, mesmo quando se tratava de um admirador secreto. Todos esses pretendentes eram previsíveis demais e ela não demorava mais do que algumas horas para saber quem era a pessoa.

Mas, dessa vez as coisas eram bem diferentes. Ela estava solteiríssima e querendo um período de paz e sossego, principalmente depois do relacionamento turbulento que manteve com o Caio. Não tinha ninguém em vista e não tinha notado nenhum admirador, secreto ou não, a sua volta.

Quando contou a história para a Carla, essa amiga disse que achava que era o próprio Caio querendo dar uma de romântico. Era possível. Mas, a chance de isso acontecer era remotíssima. Caio era um adolescente de 30 anos. Não tinha maturidade e nem sabia o que era romantismo.

O admirador tinha marcado o dia e horário que ambos se encontrariam para ir ao cinema. E se fosse um tarado? Um assaltante? Luana também pensava nessa possibilidade. Por isso tinha pensado em levar Cibele.

O interessante é que no convite o admirador falava de alguns detalhes que poucas pessoas sabem. Mencionava, por exemplo, as reais causas do rompimento com o Caio, os perfumes preferidos dela, a sua cor predileta, e outros fatos desconcertantes.

Que era alguém próximo era óbvio, mas quem?

Havia algo de pessoal, de próximo, de afetuoso naquele convite.

Isso a inquietava.

Quem era tão íntimo dela a esse ponto?

O encontro seria HOJE, e daqui a três horas. Precisava decidir se levaria ou não Cibele.

Dúvidas. Dúvidas. Por que as mulheres sempre estão tão cheias de dúvidas? Ligo ou não ligo?

Ligou.

- Alô, Ci?

- Oi, Lu, tudo bom?

- Você tem algo para fazer hoje?

- Não, por quê?

- Eu recebi um convite de um admirador secreto para ir com ele no cinema e estou com medo de ir sozinha.

- Você quer que eu vá para segurar vela? Nem pensar

- A gente vai até o cinema. Se estiver tudo bem, você inventa uma desculpa e vai embora.

- Piorou. Vou sair sozinha para levar você ao cinema?

- Ta, então leva mais alguém.

- Ta bom. Vou com a minha prima. Se o cara for legal, eu dou uma desculpa e vou com ela naquele barzinho perto da casa do Lelo.

- Brigadão, Ci.

- Vou cobrar com juros

- Pode cobrar sim.

Luana desliga o telefone e fica mais tranqüila sobre a situação.

Já poderia se vestir e se preparar para o grande evento.

Era estranho. Ela já teve alguns namorados. Mas, esse convite a deixava como uma menina que ia encontrar o primeiro namorado em frente da sorveteria.
Não sabia que roupa usar. Experimentou várias e nenhuma ficava legal.

Depois de muita hesitação, ela conseguiu tomar uma decisão.

Perfumada, maquiada e vestida para matar.

Estava se sentindo uma leoa!

Saiu.

Foi dirigindo até a casa da Cibele (que não tinha carro), passaram para pegar a prima dela, Vânia, no outro lado da cidade, e seguiram para o grande encontro.

Chegaram ao cinema no horário exato.

Ficaram na porta, que era o local marcado para eles se encontrarem.

As três ficaram observando os transeuntes, na tentativa de identificar o admirador.

Nenhum daqueles idiotas tinha cara de “admirador secreto”. No máximo, tinham pose de “play-boy do ano”.

Passou um rapaz desconhecido e as três viram o cara passar, dar um sorriso e ir dar um beijinho no rosto de uma adolescente ali perto. Ainda bem, porque era feio que doía.

O tempo passou e nada do admirador chegar

Todos já tinham entrado e as três procurando o “Don Juan”.

- Bom, temos duas opções: Ele não veio ou está lá dentro disfarçado – resume Cibele

- Vocês podem entrar comigo? – indaga Luana, preocupada.

- Claro, não perco isso por nada – respondeu Vânia.

- Vamos ver então o filme – responde Cibele.

Assistiram ao filme todo e nada de o admirador aparecer.

Saíram, procuraram, vasculharam tudo sem qualquer êxito.

- Deve ser um palhaço – diz Cibele, irritada.

- Talvez ele tenha tido um contratempo – diz Luana, sem graça.

- Dar um bolo desses, sem nem avisar – continua Cibele.

- Avisar como? Com outro bilhete e flores?

- Sei lá, ele que se virasse. Foi ele que inventou essa história toda, não você.

- Vamos ver se ele se justifica amanhã ou nos próximos dias

- Só você para defender esse cara, Luana!

Cibele estava revoltadíssima.

Luana caminhava calada, triste.

As três entraram no carro, deram uma volta, foram no barzinho e depois voltaram para casa.

No dia seguinte (um sábado), Cibele ligou para Luana:

- Lu, estive pensando sobre ontem.

- O que, Ci?

- Talvez o cara tenha se incomodado com a nossa presença lá

- Também pensei nisso

- Por que você não vai sozinha da próxima vez?

- Não to gostando desse encontro às escuras, Ci. To com receio!

- Receio do que?

- Você sabe. Hoje tem louco pra tudo. Não confio em caras que mandam convites assim.

- Tudo bem, da próxima vez você vai e eu fico observando vocês de longe. Se ficar tudo bem, você me dá um sinal e eu vou embora. Se você não estiver segura, você finge que me encontrou e ai eu fico junto com vocês, segurando vela.

- Ai, você faria isso por mim?

- Claro, né? Já segurei vela antes. Não se preocupe!

- Obrigada.

- Por nada, querida, agora vamos ver se ele se manifesta.

- Assim que eu souber de algo, te aviso.

No dia seguinte o “admirador secreto” manda para Luana não um, mas três arranjos de flores e uma caixinha de bombons muito finos – eram dinamarqueses. Ele se desculpava pela gafe e agora a convidava para irem, no dia seguinte, a um restaurante chique em um bairro nobre da cidade. Luana teria que espera-lo, novamente, na frente do cinema!

Todas as mulheres na Loja ficaram com a mais sincera inveja.

Luana ria, com gosto, das suas colegas de trabalho.

Ela estava feliz! A inveja de outras mulheres não poderia apagar o brilho da sua felicidade.

Uma das meninas lhe disse que nenhum namorado lhe dera bombons tão finos. Outra ficou chorando porque o seu marido nunca lhe dava flores.

E para piorar esse estado de espírito das funcionárias da loja, o admirador foi mais ousado ainda: enviou um perfume francês caríssimo, com um bilhete perfumado onde se lia uma inspirada poesia.

Isso fez com que Luana ficasse em êxtase e suas colegas furibundas.

A Cibele ficou feliz pelo bilhete e pelos presentes.

- Lu, esse cara é demais. Agora a coisa vai

No horário marcado, lá estava Luana. Vestiu-se como uma princesa: uma amiga emprestou um vestido muito luxuoso, estava usando jóias, passou o perfume que o admirador lhe enviara, se maquiou. Em suma: ela estava pronta para qualquer príncipe encantado chegar.

Cibele, como combinado, estava por perto.

Diversos homens passaram por ali. Uns estavam com a família. Outros sós. Havia alguns idosos com algumas crianças. Dos solitários, alguns pareciam gays e outros eram escrotos.

Nenhum deles parecia o príncipe dos bilhetes.

E, efetivamente, o príncipe não chegou!

Cibele estava transbordando raiva:

- Esse cara é um cretino, Lu

- Acho que ele quer me deixar doidinha

- Já está te deixando...você sempre defende ele.

Luana fecha a cara.

- Acho que nunca tive tantos presentes assim

- Talvez ele queira te seduzir com presentes para depois fazer uma entrada triunfal.

Ambas riram

- Acho que é bem por ai, Ci

- Tem homens ricos que não querem uma mulher, querem uma platéia para aplaudi-los só por eles serem ricos.

- Não acho que esse seja tão bobo assim

- Não temos como saber, Lu.

- Vamos esperar os próximos bilhetes...

Ambas se despediram.

Luana voltou para casa. Estava felicíssima.

Ficava pensando na inveja das meninas na loja, na preocupação da sua amiga Cibele e em quem seria o seu admirador secreto.

Depois de tomar um bom banho, ver TV e ler um livro, Luana sentou-se na cama e passou a escrever em uma folha colorida de papel de carta, com profunda emoção:

Querida Luana.

Não pude ir ao nosso encontro ontem. Espero que tenha adorado o perfume que te mandei, meu amor. O poema fui eu mesmo quem fiz. Vou ter que viajar amanhã para Paris. Daqui a dois meses voltarei para te encontrar e provavelmente te levar ao altar.

Espero que você goste dessa caixa com bombons franceses.

Beijos carinhosos e sinceros do seu grande admirador



Luana dobra o papel, coloca em um pequeno envelope. Ela irá levá-lo no dia seguinte à pequena loja que fica do outro lado da cidade, se apresentará como Dora, comprará os bombons e pedirá para que sejam entregues juntamente com o envelope para sua amiga Luana em seu local de trabalho.

Luana suspira e sorri.

Como tinha dito para Cibele, tem louco para tudo nesse mundo.

Luana era louca?

Se ela era louca, era certo é que era uma louca feliz.




terça-feira, 2 de novembro de 2010

"Solilóquio Noturno nº. 02", Opus 09 by Fábio Zafiro Filho

Outra noite. Nova jornada para o “sono dos justos”.

Estou aqui deitado em minha velha e confortável cama e volto a pensar. Sim, o velho e bom pensamento. Um dos bens mais preciosos do ser humano.

Para que pensamos? Para que vivemos?

“Para alcançarmos a felicidade”, responderiam alguns. Mas, o que é a felicidade?

Vários pensadores, filósofos, e psicólogos, escreveram inúmeros livros, artigos, e teses sobre isso. Como não sou um intelectual, posso tentar meditar sobre esse tema, e o faço sem maiores conseqüências e responsabilidades.

Então, o que é felicidade?

Quando falamos em felicidade associamos conceitos geralmente materiais e ambições pessoais. Mas, essas associações geralmente se prendem a quatro aspectos principais: ao sexo, à afetividade, ao poder e ao conforto material.

Portanto, segundo boa parte da raça humana, será feliz aquele que possuir um ou mais desses elementos acima mencionados. A mulher que busca a felicidade no casamento procura, na verdade, afetividade, sexo, e, dependendo do caso, conforto material. O funcionário que pretende ver a felicidade em uma promoção busca o conforto material e o poder. E por ai vai.

É um erro acreditar que a felicidade está em algum objeto específico, seja ele qual for. Não é o objeto em si que traz a felicidade, mas sim o sentimento que se desperta em cada pessoa por buscar aquele determinado objeto.

A felicidade, portanto, é uma característica, uma qualidade, um atributo do ser humano.

Temos que diferenciar a felicidade de outros estados que lhe são bem parecidos como a saciedade, a tranqüilidade, a satisfação, o conformismo e a simples alegria.

A saciedade é apenas a satisfação das necessidades dos instintos, incluindo aqui o instinto sexual. Os instintos são as forças psíquicas mais poderosas no homem e a sua satisfação é a busca atávica do ser humano. Quando o desejo sexual é saciado, tem-se uma satisfação, um prazer corporal. Contudo tal prazer é fugaz, porque o processo é sempre cíclico. A saciedade, desse modo, se distingue da felicidade justamente por não ser plena.

A tranqüilidade e a busca pela paz não podem ser confundidas com a felicidade. Estar em paz não é ser feliz ou ter alcançado a felicidade. Pode-se estar em paz, mas ser infeliz. Podemos ser tranqüilos, mas sermos infelizes. Na verdade, aqui há uma inversão, tomando-se geralmente a causa pelo efeito. A formulação mais exata é: A felicidade é que gera tranqüilidade.

O conformismo - a resignação - também não se confunde com a felicidade. A renúncia é um estado de omissão, mesmo que tenha os mais nobres sentimentos. Podemos nos conformar com nossa situação de penúria e, ao mesmo tempo, sermos infelizes. Novamente aqui a inversão de raciocínio: A felicidade é que gera a resignação, a renúncia e isto por ser ela um estado pleno.

A satisfação envolve os anseios do ser humano: relacionamentos, trabalho, saúde, êxito pessoal, é demais aspectos normais da vida humana. Estar satisfeito é ter conseguido o fim a que se propôs: casamento, uma promoção no emprego, a cura de uma doença, uma vitória profissional. Por mais que a satisfação traga alegria, ela não traz, necessariamente a felicidade.

A alegria, por fim, reflete bom humor apenas. Sorrimos e rimos, refletindo nossa alegria para os outros. Mas, ao estarmos alegres e sorrirmos não temos, necessariamente, felicidade. Muitas vezes o sorriso é apenas estético e o riso é tão somente uma máscara para encobrir dores e tristezas interiores. Novamente inverte-se e toma-se a causa pelo efeito: a felicidade gera alegria.

A felicidade está acima de tudo isso! É a causa de todos esses efeitos.

Para atingirmos este estado de êxtase, que é a felicidade, temos que abandonar qualquer noção de objeto exterior. A felicidade se busca no íntimo do ser e não no exterior. É um problema íntimo.

E como atingi-la?

O primeiro passo é justamente ter a consciência exata de que o que se procura não está no mundo exterior. Não procuramos alguém, não procuramos algo. Se não procuramos nenhum objeto exterior para sermos felizes, então o valor deles deve ser redimensionado, para não confundirmos a afeição por simples objetos ou pessoas com a própria felicidade.

A partir do momento de que damos às pessoas, às coisas e ao mundo exterior de um modo geral o seu devido valor sem confundi-los como alvos de nossos anseios para nos tornarmos felizes passamos a observar que não necessitamos tanto do mundo exterior, e que ele é necessário, mas não é um fim em si mesmo!

Não vamos em busca de um relacionamento achando que ele nos trará a felicidade absoluta. Não corremos atrás do dinheiro, poder, fama, e outros bens do mundo humano porque sabemos que eles são úteis, têm seu valor para nós, mas não vivemos em busca deles, como se consubstanciassem a própria felicidade.

Com essa mudança de valores, passaremos a observar mais para dentro de nós mesmos.

Onde achar a felicidade, escondida dentro de nós mesmos?

Depois de eliminarmos a busca por um objeto, precisamos definir que a felicidade não está no fim, e sim no processo, na busca, no caminho.

Se a felicidade não está em um objeto no mundo exterior, ela não está no fim, no alvo a ser alcançado.

Esse é o erro central de quem vê a felicidade no instinto sexual. Uma vez saciado, esse instinto se renova sempre. E o instinto sexual visa necessária e imperiosamente à satisfação, ao prazer sexual. Aqui a ênfase é no objeto.

O mesmo se pode dizer sobre quem vê o objetivo da vida na vontade de poder. O poder é transitório, e não perene e absoluto. Então haverá uma busca incessante por poder. E ai parte-se para o eterno retorno da vontade de poder em um ciclo sem fim. Por mais que essa idéia tenha suas bases no instinto mais animal do homem e seja, em parte, coerente, é certo que o homem que busca vontade de poder poderá ser um homem poderoso, auto-suficiente, mas infeliz.

Por que a felicidade não é um fim e sim um meio? Simples. Se ela for um fim, acaba por ter um termo. Exemplifiquemos: Se a pessoa vê no dinheiro a sua felicidade, ela sempre irá querer mais dinheiro, porque a conquista de um determinado valor esgota a sensação de felicidade.

A felicidade é estar em busca de algo. Mas de que forma fazer essa busca?

Alguns pretendem encontrar a felicidade no meio-termo. É uma resposta parcial, pois, ao mesmo tempo em que há como admitir que não exista felicidade nos extremos, é certo que uma pessoa pode ser infeliz caminhando mesmo sempre pelo meio-termo.

O meio-termo é um conceito muito mecânico para se falar em um estado que é basicamente subjetivo.

Sim, a busca se inicia no sujeito, em quem está procurando a felicidade. É nele que está a chave para descobrirmos o meio onde está a felicidade.

Neste ponto surge uma importante indagação: A Felicidade é absoluta ou relativa? Existe uma Felicidade absoluta e geral ou a Felicidade é relativa e pessoal, sendo diferente em cada pessoa?

A resposta me parece ser um pouco complexa. Existe a Felicidade, como conceito absoluto, abstrato e geral e existe a Felicidade, tomada no aspecto individual, concreto e pessoal. São duas acepções da mesma palavra.

A acepção que nos interessa é a pessoal, relativa, individual e concreta.

Essa Felicidade muda de pessoa para pessoa. As pessoas são felizes de maneiras diferentes.

Geralmente a felicidade está ligada ao elemento afetivo-emocional do ser humano. Ela atinge sua sensibilidade em uma região que envolve o amor fraternal, a religião, as artes, o contato com a Natureza, e outras categorias deste mesmo sistema.

Vejo a felicidade, portanto, como uma sensação de plenitude emocional e espiritual.

Houve no passado quem dissesse que a felicidade fosse uma condição negativa. Sim, ela, na maior parte dos casos, é negativa. Contudo, a busca pela felicidade de uma forma mais correta pode ampliar os seus limites transformando-a de exceção para regra.

Como fazer isso?

Imagine-se que uma pessoa ficou plenamente feliz quando contemplou um horizonte belo ao entardecer. O horizonte não foi a causa da felicidade. Ele apenas a despertou. A pessoa aqui deverá procurar sentir a mesma intensidade de emoção em todas as imagens naturais belas que encontrar. É uma forma de expandir a emoção sentida.

E isso pode ser conseguido em qualquer área que envolva sentimentos, pois felicidade é o êxtase do sentimento. É a plenitude do espírito e da emoção.

Todo tipo de sentimento que nos traz uma parcela de felicidade pode ser expandido. Se eu sinto felicidade quando estou trabalhando em determinada tarefa, posso, gradativamente, me sentir feliz trabalhando em todas as tarefas. Se eu sinto felicidade, quando estou com a pessoa amada, posso sentir felicidade quando estiver com outras pessoas também.

A felicidade, desse modo, está, ao mesmo tempo, no sentimento que o sujeito sente por determinado objeto e no processo que o faz sentir daquele modo. Se ele puder transferir o processo para outros objetos, será feliz em outros momentos da vida.

Sendo assim, a Felicidade pode estar em qualquer canto: Quando uma criança brinca com um peão, quando um namorado beija a namorada, quando um escultor termina uma obra, quando alguém ouve uma música, entre inúmeras e infinitas situações possíveis.

Felicidade é um estado psicológico, é um êxtase de sentimentos. Cada pessoa e responsável pela sua própria felicidade, pois somente ela sabe o que a faz feliz. É um caminho individual.

Concluindo, pelo menos por ora, a Felicidade, para mim (simples pensador notívago e quase dormente) surge como um sentimento de um sujeito por um determinado objeto, mas esse processo, essa busca da pessoa pelo objeto que lhe deixa feliz é transferível e ampliável para outros objetos. A Felicidade reside no sentimento que liga a pessoa ao objeto e na busca pelo objeto.

Aos críticos: Sim, deixei questões abertas. Sim, vou prosseguir nas elucubrações noturnas, mas outra noite. Sei que existem várias questões adjacentes que surgem com esses meus pensamentos vagos. Aguardem!

Vocês me acusam de confuso, obscuro e fragmentário. Sim, é assim que sou. Culpa do Morfeu: O sono não me permite prosseguir e embaralha os meus pensamentos.

Coloquem o meu amigo no banco dos réus junto comigo!

Mas, ele vem chegando...

Depois de tantos conceitos e teses, o grande deus Morfeu vem caminhando com sua legião de soldados romanos com uma bandeira dizendo: “Venha para o meio reino. Lá está a Felicidade”.

Talvez ele tenha razão!

Morfeu é um bom camarada

Despeço-me.