sexta-feira, 3 de julho de 2009

Solilóquio Noturno nº 01 - Opus 02 - por Fábio Zafiro Filho

É noite! Encerro o meu dia aqui, neste quarto escuro. Tenho agora a liberdade de poder sentir os meus pensamentos fluindo pela minha mente insana. Essa liberdade de cuja necessidade só tomamos consciência depois de vivermos, maquinalmente, mais um dia no universo dos humanos autômatos.

Deitado aqui em minha cama, penso, sinto, e existo. Sou um homem naturalmente livre, com meus pensamentos, dores e paixões. Nesse meu momento particular eu faço mais do que apenas viver.

Estou só? Solidão é apenas o “estar só” ou é a ausência de companhia humana? Se for a primeira opção estou só e, assim, sou livre. Se for a segunda, vivo a minha solidão, que é dolorida e me dá prazer.

O mundo se reduziu a um cômodo escuro, com uma cama, e poucos móveis. A luz se foi! O negrume da noite sonolenta apareceu e me torna filósofo de minha própria vida e da minha atual situação.

Ouço o som torturante de um relógio!

Estou preso aqui? Existem espaços por onde posso penetrar, onde minha mente poderá desbravar? Sinto-me acorrentado a uma vida material sem poder me libertar. Alguém colocou cadeados na mente humana? Alguém construiu um muro para que o pensamento ficasse retido dentro do cérebro humano ou mesmo dentro de um quarto escuro?

Penso que estou no alto de uma montanha, olhando o horizonte, com um final de tarde róseo e levemente acinzentado. Pássaros amarelos e brancos cruzam o céu, que é de um azul magnífico. O vento suave vem tocar os meus cabelos e arejar a minha alma.

O mundo não se importa com a minha alegria ou com a minha dor. Ninguém vai ficar apontando e dizendo: “Olha, como ele está feliz vendo o horizonte”. A felicidade dos outros nos é sempre dolorosa.

Estar feliz com um horizonte imaginário? Sou louco? Sim, a loucura nem sempre deve ser interpretada como doença ou como qualidade negativa. Loucura, às vezes, é necessária. Talvez a loucura traga também felicidade. Talvez a dor seja estarmos impregnados do mundo material na sua frágil realidade.

O meu pensamento voa, como um albatroz no mar. Flutua como uma pena na tempestade ou como uma flor na brisa primaveril. Basta pensar e já estou longe de mim, de onde estou, e do que sou!

Pensando, eu me sinto perto de tudo e longe do nada da minha pseudo-solidão humana. Ao pensar, sou livre e me sinto em movimento, absorvendo o universo exterior a minha volta.

E toda essa filosofia ou psicologia surge de elucubrações de um sujeito qualquer em meio a um início de sono. São apenas reflexões de uma mente em busca de espaços e explorando seus limites, e isso quando inicia o seu lento processo de adormecimento.

O pensamento é livre e é o recanto mais íntimo da liberdade humana. No pensamento, o homem pode ser aquilo que ele quiser ser. Não existem regras que ele (homem) não possa romper quando pensa, porque o seu pensamento é o seu universo. Nada interfere nele.

Penso e, disso, concluo: Sou livre.

O pensamento é uma ave ligeira que atravessa mares, rios e montanhas, mas que sempre retorna ao seu ninho. Ele também pode atravessar a linha imaginária do Tempo e procurar imagens de um passado longínquo nos arquivos da memória ou usar o artifício da imaginação para criar cenas de um futuro belo e promissor!

O que pensamento humano não pode? O que a imaginação humana não consegue criar?

Tanto se diz e se fala sobre o universo exterior. O homem busca explorar as fronteiras do espaço e os limites do seu corpo, planejando viagens a outros planetas, voando pelos ares ou mergulhando em águas profundas. Mas, tão pouco se diz sobre a busca do universo infinito existente no interior da mente humana, no interior do homem.

Em nossa mente existem recantos paradisíacos, cheios de doçura e beleza, paisagens calmas e sóbrias, desertos áridos, oceanos profundos e mares tempestuosos, vales sombrios e lúgubres, e toda a sorte de imagens, sons, odores e sensações. Há espaço para a dor e para a felicidade. Encontramos lá a amizade, o amor, o desejo, mas também o sofrimento, as culpas, a autocrítica e a condenação.

Vivemos na superfície desse universo, nadando e respirando, mas com muito medo de mergulhar nas profundezas. Poucos descem às grandes profundidades e raros gostam dessa região inexplorada e aparentemente inóspita. A ampla maioria sequer conhece que embaixo da sua consciência racional e sensual existe todo um universo. Ao mergulharmos nele nos sentimos transportados para outros níveis de autoconhecimento, para novos caminhos e novas certezas.

O som torturante do relógio traz de novo até mim a realidade fenomênica. Mas, até quando este mundo material exterior é real e até quando é uma projeção, um sonho? Ou será que tudo sempre será um eterno sonho, que se repete?

Será a matéria real? Só a temos por real porque a sentimos e a concebemos dentro de conceitos lingüísticos, históricos, filosóficos e científicos, desenvolvidos e fixados na nossa “tradição mental humana”.

Pensamentos. Pensamentos. Minha mente flutua na suave aragem noturna. Até onde um pensamento lógico e perscrutador como o meu consegue indagar? Não há limites. Os limites do meu pensamento são os limites do meu conhecimento, do meu raciocínio e da minha lógica.

Não sou filósofo! Não sou psicólogo! Não sou médico! Meu pensamento não precisa de rótulos, diplomas, congratulações, encômios, títulos, platéias, reconhecimento atual ou póstumo e popularidade. Apenas penso, logo sou livre, logo existo, sinto e vivo, logo busco meu próprio universo.

Apenas penso e o meu pensar me liberta. E, aos poucos, o meu próprio universo interior surge perante mim!

Pensar muito entorpece. O sono começou sua longa luta para me dominar e vencer. E certamente o fará. Resta a mim a doce esperança de uma noite com sonhos suaves.

Despeço-me.