terça-feira, 7 de outubro de 2008

Giuseppe Di Stefano cantando "Salut! Demaure chaste et pure" da "Faust" de Charles Gounoud

O Tenor: Giuseppe Di Stefano (1921 - 2008), é, na minha modestíssima opinião, um dos três maiores tenores dos Séculos XX e XXI (os outros dois são Enrico Caruso e Beniamino Gigli). Ele ficou conhecido principalmente pelas óperas em que atuou e gravou juntamente com Maria Callas e Titto Gobbi (entre 1951 e 1957, formando, assim, o trio - tenor/soprano/barítono - mais importante da história da ópera) e pelo belo timbre da sua voz (é considerado por muitos como o dono da mais bela voz do canto lírico).

Di Stefano ficou conhecido pela sua dicção perfeita em italiano e francês (talvez a melhor dicção entre os grandes tenores), pela capacidade quase inigualável para fazer "pianissimos" e "diminuendos", pela emoção que colocava em cada nota (a capacidade que ele tinha para transimitir emoção somente é igualada por Caruso, Gigli, Del Monaco, Lanza e outros raríssimos nomes), pela sua notável qualidade como ator (um grande maestro italiano, Victor De Sabata, o igualava aos maiores atores de teatro italianos), pela forma natural como ele cantava (Di Stefano sempre defendeu que o cantor de ópera deveria "cantar como se estivesse falando", ou seja, cantar com a mesma naturalidade como se estivesse apenas conversando. E ele levava isso muito seriamente e até às últimas consequências), pelo seu "dó de peito" (o dó agudo, a nota mais aguda da escala normal de um tenor) - que era algo único na história da ópera - e pela sua belíssima voz, que era uma das vozes mais puras de tenor que o mundo já ouviu até hoje.

Pippo (apelido pelo qual ele ficou conhecido) nasceu em 24 de julho de 1921 em Mota Santa Anastasia, um vilarejo perto de Catania, na Sicilia, Itália. Era filho de um "carabineri" e de uma costureira. Logo cedo foi estudar em um colégio jesuíta em Milão, onde inicialmente sentiu vocação para o ofício religioso. Contudo, percebendo a bela voz que tinha, começou a ter aulas de canto. Inicialmente ele cantou em dois coros masculinos em Milão e se apresentou em dois concursos de canto (em Milão e em Florença) em 1938 e ganhou ambos. Também se apresentou em cafés, restaurantes (Odeon, em Milão) e cinemas (Cristallo, Milão), onde cantava antes da projeção dos filmes, sempre oscilando entre o repertório operístico, canções napolitanas e os últimos hits de músicas para dançar. Nos anos seguintes (1938-1940), ele cantou no coro do La Scala em Milão, como tenor. Em 1940, ele passou a ter aulas com um obscuro barítono, Luigi Montesano, que viria a ser seu mestre e do qual sempre viria a falar com o mais profundo respeito.

Giuseppe Di Stefano começou sua carreira efetivamente depois do inicio da Segunda Guerra Mundial. Ele foi afastado do serviço militar por problemas respiratórios. E, como só sabia cantar, passou a fazê-lo dentro e fora dos campos militares, ficando famoso em Milão sob o pseudônimo de Nino Florio. Quando os alemães chegaram à Lombardia, em 1943, ele fugiu para a Suíça, onde cantou em campos de refugiados. Na Suiça, ele intepretou na Radio Suisse Romande, em Lausanne, trechos da "Elixir D'amore" de Gaetano Donizetti e "Il Tabarro" de Giácomo Puccini, bem como canções italianas. Em Zurique, Di Stefano chegou a gravar músicas italianas pela EMI (1944).

Em 1945 ele retorna para a Itália e para Milão e retoma as aulas com Montesano. Em 1946 Di Stefano grava novamente canções para a EMI, ainda sob o pseudônimo de Nino Florio. Seu "debut" profissional veio a ocorrer em 20 de abril de 1946, em Reggio Emilia, na ópera "Manon" de Jules Massenet, intepretando "Des Grieux". Sua ascenção como tenor foi meteórica: em 1946 ele cantou em várias cidades do norte da Itália (Bolonha, Ravenna, Veneza); ainda em 1946 ele já fazia seu "debut" internacional no Liceu de Barcelona, na Espanha; em 1947 ele debuta no Scala de Milão também como "Des Grieux" na Manon de Jules Massenet e em fevereiro de 1948 ele se apresenta pela primeira vez no Metropolitan de Nova York, como o "Duque de Mântua" na ópera "Rigoleto" de Giuseppe Verdi. Resumindo: com apenas dois anos de carreira, ele já havia cantado nas duas maiores casas de ópera do mundo. Ele se tornou a sensação lírica do Metropolitan de Nova York entre 1948 e 1952 (nesse período ele esteve no MET em mais de 100 apresentações). Esse período áureo só foi interrompido, apesar da imensa popularidade alcançada por ele nessa época, em virtude de uma divergência entre o tenor e os diretores do Metropolitan (especialmente com Rudolph Bing), que gerou até uma disputa judicial que acabou fazendo com que o Metropolitan o aceitasse para a temporada de 1955/1956..

Em 1951, houve o encontro entre Giuseppe Di Stefano, a maravilhosa soprano grega Maria Callas e o barítono Titto Gobbi. Isso ocorreu aqui no Brasil, no Teatro Municipal de São Paulo em uma apresentação da "La Traviata" de Giuseppe Verdi. Em 1952 houve outra noite espetacular e memorável com Callas e Di Stefano se apresentando na "I Puritani" de Vicenzo Bellini. No Natal do mesmo ano o par voltou ao Scalla de Milão para cantar "La Gioconda" de Amilcare Ponchieli. Esse "trio" (Di Stefano/Callas/Gobbi) iria se tornar o mais importante trio de tenor, soprano e barítono do século XX e provavelmente da história da ópera. A harmonia e o entrosamento entre eles era quase mágico e os três tinham as mesmas características como cantores de ópera.

Di Stefano, Callas e Gobbi gravaram 10 óperas juntos e todas essas gravações são referências até hoje. Destacamos aqui as excelentes gravações da Tosca de Giácomo Puccini em 1953, da Lucia de Lamemoor de Gaetano Donizetti também de 1953, da I Pagliacci de Ruggero Leoncavallo de 1954, Un Ballo in Maschera de Giuseppe Verdi de 1956 e da Manon Lescault de Giácomo Puccini em 1957.

A partir de 1955, Di Stefano decide mudar de repertório de forma a interpretar papéis destinados a um tenor de tessitura mais grave e pesada (tenor lírico-spinto). A partir de 1955, Giuseppe Di Stefano passou a cantar, com freqüência, óperas que não eram adequadas à sua voz de tenor lírico, como Carmen de Georges Bizet (como D. José), Il Trovatore de Giuseppe Verdi (como Manrico), Aida também de Giuseppe Verdi (como Radamés), Íris de Piero Mascagni (como Osaka), La Forza del Destino de Giuseppe Verdi (como D. Alvaro), Turandot de Giacomo Puccini (como Calaf) e Andrea Chenier (como Andrea Chenier) de Umberto Giordano.

A partir de 1959, o grande tenor começou a ter sérios problemas com a voz. Não existe consenso sobre quais foram os reais motivos do seu declínio vocal. Alguns afirmam que Di Stefano usava uma técnica equivocada (ele não cobria corretamente as notas do passagio médio-agudo); outros defendem que o problema foi a mudança prematura de repertório; há ainda a tese defendida pelo próprio Di Stefano sobre uma doença respiratória - asma - que ele teria adquirido em um apartamento que ele possuia em Milão em meados da década de 50. O que parece mais razoável é que tenha havido um conjunto de fatores: a técnica equivocada, a mudança do repertório, a doença respiratória, a personalidade do tenor (como já disse outro grande tenor, Mario Del Monaco, Giuseppe Di Stefano tinha um temperamento dramático e um "instrumento" lírico), sua maneira de viver (Di Stefano bebia, fumava e jogava), a ênfase que ele dava à dicção (o que exigia muito da voz), e outros fatores que poderiam também ser acrescentados.

Os problemas vocais já eram perceptíveis desde 1959, mas ficaram mais evidentes em 1961, quando sua interpretação de Mário Cavaradossi na Tosca de Giácomo Puccini foi mal recebida pelo público do Covent Garden. Em 1963, ele retornaria ao mesmo Covent Garden e mal conseguiria terminar o primeiro ato da ópera La Bohéme de Puccini. Nessa oportunidade, ele foi substituído por um tenor que o tinha como ídolo, um jovem cantor italiano muito promissor que havia debutado dois anos antes. Seu nome era Luciano Pavarotti.

Em meados da década de 60, Di Stefano reduziu suas apresentações a recitais e concertos. Cantou com certa freqüência em Viena entre 1964 e 1965. Em 1964 tentou cantar Rienzi de Richard Wagner e até que se saiu bem, mas uma nova montagem da ópera acabou sendo cancelada em Buenos Aires em 1965. Em 1966, com a voz já muito prejudicada, Di Stefano cantou Otello de Giuseppe Verdi em Pasadena, Estados Unidos, junto com seu antigo amigo, Titto Gobbi, mas a apresentação não foi bem recebida. Di Stefano continuava a ser o mesmo grande ator que sempre fora, mas sua voz já não era mais a maravilha dos anos 40 e 50. Em 1967 ele teve algum sucesso com a ópera "L'incoronazione di Poppea" de Cláudio Monteverdi e fez uma tournée pela Alemanha Estados Unidos, Canadá e Áustria com a opereta Das's Land des Lächelns de Franz Lehar.

Entre 1961 e 1964, Di Stefano fez várias e inestimáveis gravações de canções napolitanas. Apesar de sua voz não conseguir mais cantar óperas inteiras, ele conseguia cantar canções com quase a mesma voz dos anos 50. Destaco aqui: "Lacrime Napulitane" (1964), "Musica Proibita" (1961), "Core N'grato" (1964), "Tu ca nun chiagne" (1964), e "Rondine al nido" (1963).

Nas décadas seguintes, as apresentações do tenor siciliano se tornariam raras. Em 1973, Di Stefano e Callas fizeram uma tournée que foi sucesso de público, mas severamente atacada por críticos. Não era para menos, ambos estavam com suas vozes bem prejudicadas. Em 1974, uma nova tournée acabou sendo cancelada. Di Stefano voltaria aos palcos em raras ocosiões. Em 1992, Di Stefano se despidiria dos palcos como Altoum, o velho imperador da ópera Turandot de Puccini, em uma apresentação nas Termas de Caracala, em Roma. A última presença do grande tenor no palco foi em 1993, no Festival da Rádio Francesa de Montpellier, onde ele foi o "narrador" (parte não cantada da ópera) na ópera "Le Villi" de Giácomo Puccini.

Di Stefano nunca se afastou completamente do mundo da ópera. Ele se tornou professor de canto e foi presença constante (juntamente com Franco Corelli, Renata Tebaldi, Giulieta Simionato) em juris de diversos concursos de canto pelo mundo. Em 2004, o tenor siciliano sofreu um assalto em sua residência no Quênia, tendo sido gravemente agredido. Acabou ficando em coma em um hospital em Milão onde acabou falecendo em março de 2008, aos 86 anos de idade.

Giuseppe Di Stefano foi um tenor muito polêmico e controvertido. Foi ídolo de Luciano Pavarotti (o grande tenor de Módena já declarou sua admiração em várias ocasiões) e José Carreras (o tenor catalão admirava tanto Giuseppe Di Stefano que incidiu praticamente no mesmo erro de técnica vocal: ele também cantava as notas abertas e sem cobertura), e tinha também a admiração das sopranos Renata Tebaldi, Maria Callas, da mezzo-soprano Giulieta Simionato, dos tenores Mario Del Monaco ("o melhor tenor lírico que apareceu depois do grande Gigli") e Jussi Bjoerling, dos maestros De Sabatta e Toscanini. Mas, Pippo foi sempre alvo dos críticos. Sua forma de cantar (emitindo as notas sempre MUITO abertas e sem cobri-las adequadamente) sempre fez com que se argumentasse que sua técnica era errônea ou fraca. Mas, para o tenor siciliano o que importava era transmitir emoção e ser o mais natural possível (daí a ênfase na dicção e na naturalidade ao cantar), para que ele "cantasse como se estivesse falando". A técnica não era exatamente a sua prioridade. Di Stefano era um artista e não um técnico!

Música é essencialmente emoção. E a Ópera é a mais básica de todas as emoções. Giuseppe Di Stefano foi, provavelmente, o mais expressivo tenor a se apresentar e gravar óperas. Amor, ódio, ciúme, desespero, tudo era comunicado por ele através do seu canto, e sempre com a maior passionalidade. Quando ele estava em seus melhores dias e cantava bem determinado trecho, a versão de qualquer outro tenor da mesma parte pareceria, no mínimo, "morna". O melhor exemplo dessa expressividade é o final da ópera I Pagliacci de Ruggero Leoncavallo quando Canio, depois de passar todo o segundo ato tentando descobrir quem era o amante da esposa, Nedda, consegue saber quem é e diz ao amante, Silvio, "Ah, sei tu" (Ah, és tu!!). Di Stefano canta esse verso com tal ferocidade e satisfação, que fica claro que o personagem está descarregando toda a adrenalina da busca pelo nome do amante naquela simples expressão. Depois de ouvir Di Stefano cantando esse trecho, se você for escutar a versão de qualquer outro tenor, pensará que ele está chamando números de bingo.


O compositor: Neste post eu estou dando destaque ao tenor. Farei um post especificamente sobre o grande Charles Gounod. Mas, por ora, quem quiser saber mais sobre ele acesse aqui: http://en.wikipedia.org/wiki/Charles_Gounod (em inglês) ou aqui http://pt.wikipedia.org/wiki/Charles_Gounod (em português). Ou ainda, acesse aqui: http://archive.operainfo.org/broadcast/composer.cgi?id=22&language=4

A Ópera: Quem quiser saber a história completa da ópera Faust de Charles Gounod, pode acessar aqui: http://archive.operainfo.org/broadcast/operaSynopsis.cgi?id=22&language=4

O video: A ária "Salut! Demaure Chaste et pure" ficou bastante conhecida na voz de Giuseppe Di Stefano por causa de algo que até hoje só ele conseguiu fazer com tal perfeição. Trata-se da emissão de um Dó (a nota mais aguda da escala normal de um tenor) emitido por mais de 10 segundos e seguido de um impressionante diminuendo. Isso ocorre bem no final da ária e impressionou muita gente, incluindo o grande tenor sueco Jussi Bjoerling.

O video inclui ainda a partitura da ária. A gravação (só áudio) é de 1950 (época em que o tenor vivia seus anos dourados) e é, seguramente, uma das mais impressioantes gravações feitas por um tenor ao vivo.

Eis o video





2 comentários:

Anônimo disse...

A única vez em que Callas, di Stefano e Gobbi pisaram num palco juntos foi na Traviata de São Paulo. Depois, nunca mais! Depois só em estúdio para as gravações da EMI. Mas ao vivo, numa palco, jamais. Callas, sim, cantou com um ou com outro, mas jamais o trio se re-encontrou em cena.

Fabio ZF disse...

Agradeço muito o comentário e já corrigi os equívocos.