segunda-feira, 19 de setembro de 2011

"Solilóquio Noturno nº 03", Opus 13, by Fábio Zafiro Filho

Chego ao final de mais um tedioso dia no mundo insano dos humanos. Estou cansado das loucuras dos homens. Não, leitor! Não sou menos doido que a média dos homens e tampouco me preocupo em sê-lo. Mas a loucura humana me choca!

O tédio me faz ir para a cama mais cedo!

Antes do sono, como de costume, passo a exercer o meu direito inato de humano louco, mas consciente de sua loucura: o de pensar.

Penso, logo adormeço. Não, não tomem essa frase no seu sentido lógico, mas somente em termos da sequência dos eventos noturnos: primeiro eu penso, depois eu dormirei. Deixemos Descartes em paz!

Sou um pensador do sono, um filósofo semi-adormecido. Se eu fosse um pensador adormecido, vocês poderiam me comparar ao Edgar Cayce, mas eu não tenho qualquer propensão, ao menos por ora, a ter poderes extra ou supra-psíquicos.

Mal comecei a pensar e já citei um racionalista e um crarividente. Bom, sem fazer quaisquer juízos de valor sobre ambos, passemos adiante!

Loucura humana. Quem criou isso tudo?

Essa pergunta vem intrigando todos os homens desde tempos já há muito esquecidos. E as respostas são inúmeras, conforme as culturas, os tempos e os homens.

Para tentar responder a essa indagação os homens começaram por associar a causa eficiente, voluntária e racional de determinado fato natural ou do seu cotidiano a uma individualidade metafísica (superior à Natureza). Apareceram então os deuses. Essas primeiras divindades sempre tinham uma ligação direta com o medo do Homem sobre determinado evento natural ou do seu próprio cotidiano. Assim, nasceram as divindades naturais (do mar, do trovão, etc.) bem como também aquelas relativas aos fatos do cotidiano (como, por exemplo, as que governam a fertilização da terra)

Aos poucos, os Homens foram evoluindo e adquirindo novos conhecimentos técnicos e morais. Com isso, a Natureza passou a perder a importância tanto para as religiões como para os filósofos. Da Natureza, os homens passaram a olhar para si mesmos. Assim, passaram a projetar nos deuses elementos da sua própria vida comum cotidiana, seus desejos, anseios, vícios, virtudes, etc.

Dessa forma, os deuses passaram a ser uma espécie de representação simbólica ou alegórica das paixões e dos vícios humanos. Exemplos disso são os deuses greco-romanos.

Depois disso, o homem buscou auxilio na existência de um único Deus superior e criador (monoteísmo) em confronto com antigas concepções com deuses e deusas pessoais (politeísmo).

Contudo, o Homem atual compreende Deus vendo-o dentro da sua limitada compreensão racional do Universo. Mesmo nas religiões ditas mais avançadas, Deus continua sendo um reflexo do Homem, pois o Homem só consegue conceber Deus dentro de padrões demasiadamente humanos.

Vamos inverter os raciocínios das religiões e partir de Deus para depois chegar ao Homem.

A definição de Deus que as religiões ocidentais nos dão é o de uma entidade metafísica criadora do Universo.

Primeiramente, é salutar desassociar o nome “Deus” ou qualquer outro que se dê a essa entidade para fixarmos um termo constantemente usado em filosofia: o Absoluto. Por que fugirmos da palavra Deus? Porque geralmente é associada às concepções teístas existentes e é bom abstrair qualquer conceito e definição puramente religiosa já existente.

Não estou aqui adotando um nome diferente para Deus e sim apenas pinçando um termo usual em Filosofia para representar o que desejo formular.

Quais as características do Absoluto?

O Absoluto é eterno (desvinculado de qualquer conceito de Tempo ou Duração), infinito (desvinculado de qualquer conceito de Espaço), causa de si mesmo, e não individualizável ou não personificável (não é uma pessoa ou alguém, ou algo).

Tomadas essas premissas, o Absoluto não pode ser bom ou mau, racional ou irracional, dentro das estritas concepções humanas. O ser humano não tem meios de conceber o Absoluto na sua essência e em todos os seus atributos. Portanto, o melhor e mais coerente é conceder a ele como atributos a “harmonia superior” e a “consciência superior”. Tanto uma como outra são supra-humanas e incompreensíveis ao Homem.

O Absoluto não é bom como o Homem define tal termo, mas sim “harmônico”. Não é racional como o homem, mas sim supra-racional. Mesmo esses conceitos (harmonia superior e consciência superior) são frágeis, pois é impossível ao homem compreender a exatidão dos atributos do Absoluto.

O Absoluto é o Absoluto. Ele não pode ser caracterizado a partir de atributos humanos, pois ai há um erro lógico de confundir a causa com seu efeito.

Quem ou o que criou o Absoluto? O Absoluto não tem começo nem fim e a partir dele surgiu a concepção HUMANA do Espaço-Tempo. Portanto, é um erro lógico sugerir que o Absoluto tenha sido criado ou gerado, porque o Absoluto pressupõe a inexistência de espaço-tempo e sem espaço-tempo não que se falar em causa e efeito.

Quando um ateísta indaga “Quem criou Deus?” erra ao formular a pergunta, pois o próprio conceito filosófico do Absoluto pressupõe que o mesmo seja alheio e dissociado do espaço-tempo. Portanto, quando se fala do Absoluto, não existe nada antes dele porque o “antes” passou a existir somente com o Absoluto.

O Absoluto criou o Universo? Criação é um termo formulado pelo Homem. É mais correto e seguro dizer que o Absoluto é causa única, eficiente e necessária do Universo.

Observe-se que existe “algo” que gerou ou deu causa à formação do Universo. Ao se afirmar que o Universo sempre existiu acaba-se por ter uma imprecisão tão grande quanto a de um Universo “criado”, pois, ao invés de se analisar uma causa geradora, passa-se a analisar os conceitos de eternidade e de infinito, tão vagos e intangíveis ao cérebro humano quanto o conceito do Deus das religiões.

Além de se trocar o conceito do Deus das religiões (que se afirma ser quimérico e fantasioso) por outro também impreciso, dizer que o Universo é infinito e eterno (sempre existiu) acaba por dispensar o indivíduo de enfrentar o problema do seu início. Em suma: elimina-se o problema colocando um ponto final.

Afirmar que o Universo foi gerado a partir de eventos aleatórios é inverter toda a ordem da evolução universal e passar a admitir com regra a exceção.

A Física contemporânea criou uma teoria por onde o Universo teria surgido de uma grande explosão inicial, mas tal teoria ainda não conseguiu desvendar totalmente o exato momento inicial. Qual foi o primeiro impulso, o primeiro movimento?

É possível que o Absoluto seja apenas um fenômeno físico? Sim, mas isso não significa que o Absoluto deixa de ter os conceitos humanos de racionalidade e bondade, mas tomados em grau superlativo (harmonia superior e racionalidade superior).

A Razão é um atributo HUMANO. E vemos o Universo sob o prisma do cérebro HUMANO e com o filtro da Razão HUMANA. Por que o Absoluto, mesmo sendo um evento físico (uma energia, um conjunto harmônico de eventos físicos, o conjunto das leis físicas, etc.) não poderia conter em si uma racionalidade tomada em grau universal? Uma forma de racionalidade não compreensível ao HOMEM, mas mesmo assim existente?

Ainda vivemos sob o império das idéias positivistas, que defendem a existência de “leis” físicas que regem o Universo. Mas essa visão mecanicista do Universo é, por vezes, estática demais, rígida demais.

Religiões e Ciência disputam a solução de um mesmo problema: o início de tudo. Mas ambas enfrentam a mesma dificuldade. Se Deus existe, quem ou o que o gerou? O que veio antes da explosão inicial? Quando a matéria surgiu? Antes ou depois da explosão?

Existem inúmeras teorias na Astrofísica sobre o Universo, baseadas em evidências, mas sem PROVAS convincentes. São apenas teorias muito bem formuladas e coerentes. As religiões também têm seus deuses ou seu Deus, que não podem ser provados senão pela fé.

Discordo dos ateus, pois não consigo afastar a possibilidade da existência de um Deus, que denomino aqui de Absoluto (somente para identificá-lo). Se a existência de um Deus é possível, é que essa hipótese existe, mesmo que a classifiquem como absurda, irreal, fantasiosa, quimérica, etc. Se não posso afastar a possibilidade da existência do Absoluto, prefiro adotá-la como premissa a acreditar em teorias astrofísicas mecanicistas. É posição pessoal e, portanto, respeito quem entenda de modo diverso.

Fixados esses contornos, vamos ao que entendo ser o Absoluto em sua relação com o Universo.

Aqui surgem as duas principais visões sobre o Absoluto: aqueles que o tomam como uma causa transcendente do Universo e os que entendem que o Absoluto é uma causa imanente do Universo.

A transcendência é adotada pelo eixo religioso ocidental (judaísmo, cristianismo, islamismo em todas as suas variações e derivações). Já a imanência geralmente é adotada pelo eixo religioso oriental (hinduísmo e budismo, em todas as suas variações e derivações).

Como causa transcendente entendo que é o Absoluto que gera o Universo, mas não se confunde com o mesmo, sendo uma “causa exterior”. Como causa imanente entendo que o Absoluto se confunde com a própria Natureza ou com o próprio Universo.

A causa imanente é associada, portanto, ao panteísmo. Além das religiões orientais, são panteístas, por exemplo, as concepções filosóficas de Espinosa e, sob determinado aspecto, a filosofia de Hegel.

Há uma terceira posição que adota ambas as concepções (transcendente e imanente) do Absoluto. Alguns a chamam de monismo e outros de panenteísmo (este termo foi criado pelo filósofo alemão Karl Krause). Para esse sistema, o Absoluto é causa exterior ao Universo (consoante as religiões ocidentais), mas ESTÁ no UNIVERSO.

O panenteísmo entende que o Absoluto não é o Universo (como querem os panteístas), mas não está totalmente desassociado a ele, como algo totalmente independente. A causa, para gerar um efeito, tem que, necessariamente, estar ligada a este. Não há como separar totalmente causa e efeito, como querem aqueles que entendem o Absoluto somente como uma causa transcendente.

É de se observar que é bem possível que os teólogos cristãos tenham erigido a crença na SANTÍSSIMA TRINDADE (Pai, filho e espírito santo) como uma forma de ressaltar a transcendência e a imanência do Absoluto, mas subdividindo-o em três pessoas em uma única essência. Podemos entender também como três existências em uma essência. Temos um Deus/Pai/Criador (transcendência), um Deus/Filho/Verbo feito carne (imanência) e o espírito santo (o elo/nexo entre a transcendência e a imanência do Absoluto).

Contudo, a segunda pessoa ou segunda existência em uma única essência, ou seja, o Deus/Filho, não se confunde com o Universo ou com qualquer parte dele. Essa segunda pessoa ESTÁ no Universo, mas não É o Universo. Ela está presente no ser humano, mas não É o ser humano.

Não dá para se confundir a segunda pessoa da trindade com um indivíduo qualquer, por mais nobre que este seja. Não se pode resumir a imanência do Absoluto a uma única individualidade humana. Contudo, ela está presente em todos os HOMENS, não sendo igual em todos. Pode existir um ou mais homens onde a imanência do Absoluto esteja mais presente do que nos demais.

O Absoluto e o Universo, portanto, têm essência comum, mas são independentes entre si, sendo o primeiro a causa do último.

Passemos agora a ligar o Absoluto ao Homem.

O Absoluto gerou o Universo e o HOMEM é uma das várias individualidades surgidas com este último. Foi através da evolução do Universo (e, por corolário, da vida na Terra) que o Homem surgiu.

Deus criou o Homem a sua imagem e semelhança? Esse preceito é simbólico como a maioria das afirmações contidas em dogmas religiosos. O Absoluto e o Homem têm essência comum. Não se pode associar, literalmente, a imagem do HOMEM à imagem do ABSOLUTO, pois este não é individualizável. Novamente aqui temos a imanência como resposta a essa alegoria religiosa: o Absoluto está no HOMEM (mesma imagem), mas não é o HOMEM (semelhança, e não IDENTIDADE).

Por enquanto é só! Futuramente me aventurarei no universo da alma humana, dos Espíritos, Reencarnação, e outros temas correlatos. Mas, por ora, chega de maiores digressões metafísicas.

Esses pensamentos são apenas meras elucubrações de um ser que está prestes a adormecer. Não posso forçar demasiadamente meu cérebro, pois precisarei dele amanhã.

Tais meditações merecem reparos? Sim, obviamente. Faça-os quem quiser!

Elas representam uma parte das minhas atuais pesquisas no mundo de Deus. Mas, podem se modificar no futuro. Quem sabe?

O sono chega, calmamente, como uma brisa suave de verão.

Filosófica e Teologicamente me despeço!

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