sábado, 10 de julho de 2010

"As Crônicas de “J”, Opus 07, by Fábio Zafiro Filho


1 ---


A você, meu caro colega, que irá ler essas bobagens, não pense que vai ler uma crônica de um autor de crônicas qualquer. Sou um escritor especial.

Trata-se apenas de uma crônica da vida urbana.

Não pense que irá encontrar algo agradável, porque eu não sou nem ao menos tolerável.

É uma história e nada mais. Quem sabe se é realmente uma crônica? Afinal, o que é uma crônica? Quem liga para rótulos?

Resolvi ser mordaz. Mostrarei a realidade!

O título é realmente uma bosta: “O Caminhante da Noite“. Poderia ser a história da vida de um guarda noturno, ou a saga de um vampiro. Rótulos novamente.

Chega de frases inúteis!

20.03.1985

J.




O Caminhante da Noite


Ele sai de casa para entrar no domínio da noite da CIDADE.

Pede permissão.

E começa a sua longa jornada de encontro ao organismo vivo da noite urbana.

A noite é fria e lhe abraça. Ele a rejeita como rejeitara na noite anterior o afago da puta.

Ele foge de algo que pensa que sabe o que é, mas ... bem ... é melhor nem pensar... Só andar, andar e andar.

Na primeira esquina, surge a primeira dúvida. Um ônibus pára e dois idiotas gritam como dois apitos em forma de cretinos. Por quê?

Deve haver motivo para o grito e para a existência dos cretinos.

Motivos? Quem precisa deles?

Continua a caminhar...

A cidade avança dentro do seu cérebro. Os prédios vêm marchando, como se fossem duas fileiras de soldados gigantes. Os carros parecem cargas elétricas desordenadas. As pessoas, reles formigas. O mundo vive e a noite impera.

O caminhante filosofa e cria suas poesias medíocres, que poderiam ser escritas por qualquer bêbado criado na noite urbana.

Tiros?

Uma formiga humana cai morta na sua frente. O sangue inunda seus pavilhões auriculares. Ele vê, então, o que sobrou do que um dia foi alguém.

Dor?

Não sente pesar. É só mais um evento comum na noite urbana.

O caminhante volta a andar. Só observa. Não questiona.

A cidade vive e a noite domina. Que pode ele fazer sobre isso?

Putas...e mais putas...

Travestis: homens que são mulheres. Atentado contra Deus? Pode até ser, mas não é atentado contra o domínio da noite.

Dor? Pobreza?

Mendigos...os excluídos...os inválidos.

Moeda? Tome-a... Para comprar o que comer....ou.....o que te faça esquecer.....A noite te dá....te toma.....te mata.

Estrelas... A Lua... Meras luzes da Noite... Meros reflexos do que foi o dia. A noite é bela, mas pode ser suja... Depende dos olhos que a enxergam.

O caminhante não compreende a noite. Ele somente observa os seus elementos. Mas, Filosofia é coisa para gregos e alemães.

A noite é bela? Pois bem, que seja! .A cerveja e a pinga transformam as mentes, e deixam as pessoas românticas... Poesia é uma brincadeira para bêbados, intelectuais e professores.

Caminhante não é filósofo e nem poeta. Ele apenas observa... E só.

Sexo...

Homens e mulheres em busca de satisfação corporal e, talvez até, romântica...

O caminhante prossegue a caminhada

Homens amando homens? De novo?... Não... Nada contra. É a vida... Hormônios... Intelecto... Só quem pensa pode assumir uma opinião, seja ela qual for...

Sexo e dinheiro... Seria podridão? Talvez

Sexo, dinheiro e necessidade fazem a podridão virar uma atividade profissional!

Sexo... Homens e mulheres... Terrores da noite?

Casais se amando! Naturalidade... Uma beleza escondida na noite urbana.

A noite avança sobre o caminhante.

Drogas! Território podre.

Fumo?

Pó?

NÃO. Melhor andar e observar... Assim se exercita o cérebro e o espírito.

Fugir? Não, o melhor é caminhar... Gera frutos.

Esquecer? Também não... Apenas observar... E acabaremos sempre por nos lembrar de tudo.

A jornada está no fim.

O caminhante retorna para sua casa.

Viu, ouviu, mas... Não sentiu.

Os sentimentos aflorarão... Depois.

O caminhante entra em casa, fecha a porta do quarto, senta, e chora.

Depois, raciocina, levanta e ri... A noite é uma educadora natural da alma humana...



2....



Anseios de um monstro! É isso que este texto idiota quer mostrar. Nada além disso.

O monstro faz e quer continuar a fazer. O Mundo não aprova sua conduta, mas, para ele, sua conduta é a sua própria vida.

Sexo. .Monstros também gostam disso.

Escrevi esta porcaria, depois de ler alguns artigos policiais podres e deprimentes. A merda quando entra na mente de um escritor tem que sair de algum modo. Temos que expelir a excrescência lida nas reportagens policiais.

Quero mostrar-lhes o que eu li e senti Vocês sentirão o caos tomando conta de vossas almas...

Exagerei bem o caso justamente PARA CHOCAR.

Venham.

Eu vos espero.

É fácil: basta ler... Não há como perder... No mundo das taras nós vamos entrar..

Não há como compreender!

Deixe a sua consciência de lado antes de prosseguir.

Natureza bestial ou selvageria consciente?

Pobres crianças!

12.09.1987

J.




VELHO DEGENERADO OU CRIANÇAS PERDIDAS?



Sr. Arnaldo.

61 anos

Sensato, educado, culto, limpo, classe média, homem de sociedade, professor primário.

Durante mais de cinco anos manteve secreto o seu lado hediondo e safado. Era o homem mais sexuado do bairro.

Tinha a maior quantidade de parceiros sexuais da cidade.

De ambos os sexos, de 12 a 14 anos. Todos eram alunos seus!

Cumplicidade?

Corrupção de Menores?

Toques, carícias, lambidas, chupadas, penetrações, sensações. O Sr. Arnaldo era o rei do sexo... Era o Senhor Sexo

Escrúpulos? O Sr. Arnaldo achava que o que fazia era parte da educação dos menores.


Aulas suplementares = Aulas práticas


Delegado: O senhor fez sexo com todas estas crianças?

Sr. Arnaldo: Lógico, sou o professor delas.

Delegado: Mas, sexo com crianças é crime...

Sr. Arnaldo: Eu sei... Mas era para o bem delas.....


Crianças desavergonhadas ou velho sedutor?

Pedofilia incontrolável?

Todas as crianças o veneravam... Tinham-no como ídolo. Para eles sua palavra era a lei suprema.

O sexo era a aula.

A matéria era dada por completo, sem restrições. Curso completo com direito a diploma, Mestrado e Doutorado.

Sr. Arnaldo era Mestre incontestável em sexo infantil, Doutor em estupro, PHD em corromper menores para fins ilícitos e imorais.

Poucos alunos escaparam dessas aulas práticas.

Alguns gostavam, outros tinham nojo, outros ficaram com problemas mentais por causa das aulas e algumas alunas tiveram filhos. Mas, estes foram casos raros. Somente três: coisa pequena.

Dores? Sim

Constrangimento? Em parte...

Coação moral. Os meninos e meninas faziam os atos por vontade própria mediante uma certa ameaça ou fraude.

O Sr. Arnaldo falava para os alunos que era um tratamento, uma aula prática, brincadeira, punição, ou outra desculpa idiota qualquer...

Monstro ignóbil, velho safado, viado, cretino. e todos os demais palavrões conhecidos e desconhecidos. E mais alguns ainda.

Selvagem, sedutor, louco e ardiloso.

Seu crime não tem classificação.

Punição?

Nem isso ele teve.

Pouco antes de ser preso, o velho se mata com um tiro no pênis.

Ironicamente acaba com sua própria punibilidade e destrói a “arma do crime”.

Seria uma última piada por parte do tarado? Talvez...

Mas, quem pagará os estragos feitos?

Vidas prejudicadas, danos mentais irreversíveis.

Dores e seqüelas para o resto da vida.

Velho tarado?

Pobres crianças!

O sexo verdadeiro já não existe...

O que existe é o desejo carnal incontrolável, sexo com qualquer um e a qualquer custo, mesmo contra a moral, a decência e contra a liberdade sexual.

Viva a humanidade!

Viva o sexo!

“Que o orgasmo seja o fim, e que sejam justificáveis todos os meios para consegui-lo “ este parece ser o “slogan “ de nossa época.

Deus nos perdoe

E as crianças também.

Aprendamos com elas. Talvez assim possamos construir algo decente...

Infantes deste mundo, salvem-nos da indecência humana!




3.


Não sei por que escrevo essas coisas. Talvez por mero deleite. Ou para descarregar algo que tenho preso dentro de mim.

Afinal, para que se escreve? Para comunicar? Sensibilizar? Emocionar? Não sei.

Existem momentos em que se tem vontade de se colocar tudo pra fora, como se fosse um vômito, um espirro, ou um catarro.

E esse “tudo“ que se põe para fora se transforma em histórias idiotas ou boas, poemas, filosofias ou bobagens, que é o que eu escrevo. Grandiosas bobagens!

Um poeta alemão, Heine se não me engano, dizia que das suas grandes dores fazia pequenas poesias. Acho que sigo esse caminho. Só que o meu problema é que absorvo as dores alheias e isso me faz sofrer demais e escrever bobagens, não poesias.

O que escrevi aqui é mais uma dessas bobagens. Já escrevi coisas parecidas e creio que as chamei de crônicas. Escrevo outra destas porcarias indecentes agora.

Não sei definir bem o que escrevi. Quando escrevo, é como se fizesse sexo. Aquilo sai de uma vez, sem qualquer censura ou domínio da minha parte.

Esta porcaria deve ser útil para alguém... Sei lá.

Escrevi... Não sei se serve para algo...

Sem data

J..




O SONHADOR DA SABEDORIA E DA CULTURA


Genésio teve um sonho

Estava em um local estranho. Uma cidade.

O mundo era inverso: Os mendigos e pobres eram cultos...

Andava na rua e via cenas incríveis:

Um mendigo aqui tocava violino enquanto outro o escutava e falava: “Prefiro o 2 º movimento “.

Um outro dizia em voz alta: “Será que alguém pode me emprestar um livro. Pode ser um clássico de Platão, um romance de Goethe ou poesias de Tennynson.“

Genésio estava certamente bêbado

Mendigos falando de Goethe e Platão?

O violinista chega perto e lhe pergunta: Prefere Beethoven ou Paganini?

Genésio disse que preferia Paganini.

O violinista começou tocar somente de brincadeira uma mistura do “Moto Perpétuo” com trechos da Sétima e Nona Sinfonias de Beethoven.

Genésio achou aquilo uma loucura.

Pediu para o violinista tocar uma música de Mozart.

Este prontamente o obedeceu.

Do músico, Genésio passou a ouvir uma discussão literária.

-- Não concordo. Para mim Alencar não é tão bom autor – falava um pobre diabo vestido somente com um calção e uma camisa repleta de furos e cheirando muito mal.

-- Alencar é o mais brasileiro dos escritores. Sua obra é cheia de referências aos índios e pessoas humildes que são a base do povo brasileiro – rebatia uma mulher de seus sessenta anos, com um rosto cheio de rugas e toda encolhida em um canto.

Aquilo era demais!

Atravessando a rua, Genésio vê uma pessoa que mais parecia um espectro.

Era um fantasma?

Não, era uma criança de oito ou nove anos, toda nua, magra, quase esquálida.

Estava tocando saxofone, como um verdadeiro mestre do Jazz.

Aquilo era loucura demais junta em um mesmo lugar.

Genésio resolveu ir para uma ponte.

Subiu na amurada.

Olhou para baixo. Era um rio.

Pulou.

Mergulhou.

Nadou até a margem. Tinha que lavar seu corpo e mente daquele mundo doido.

Quando saiu da água, viu um velho de grandes barbas e cabelos brancos, como uma espécie de Papai Noel.

Estava vestido de branco e sentado em uma pedra.

Pensava.

Meditava.

Genésio foi até ele e perguntou:

-- Em que pensa, meu senhor?

O homem vira a cabeça para ele, sorri e responde:

-- A água do rio em que pulaste é límpida e fresca. Já pulei inúmeras vezes nela. Seu pulo me fez pensar nas águas.

-- Lembras ainda como era o rio antigamente?

-- Rio? Não. Já pulei nas águas de um rio mas não falo destas águas. Falo sobre as águas do céu. Este céu em que você pode nadar nadar, nadar sem nada alcançar. Não há limites. Se o que falo é loucura? Não. Estas águas existem e são a essência da vida.

-- Já mergulhaste nestas águas do Céu?

-- Aguardo minha hora e vez. Espero esse mergulho, como uma pessoa que subiu milhares de degraus de uma escada bem íngreme e se depara, no último degrau, com uma porta, sendo que se pode ver a luz passando pelas frestas do outro lado para o lado de cá. A porta esta fechada. Espero que abram.

-- Mas o senhor quer seguir adiante?

-- E quem não quer? Corpo cansado, memória fraca, ninguém se importa mais comigo, o que posso esperar mais destas águas daqui? As de lá de cima são mais profundas e belas.

-- Se já sabe como elas são, porque não arromba a porta?

-- A porta se abrirá. Para que arrombá-la? Sinto-me como se tivesse uma grande trilha pela frente e o que me impede é só uma parede de vidro, que se torna mais fina com o passar dos anos.

-- Pode me dizer quem sou, quem és e onde estou

-- Você é um sonhador, eu sou tua alma e está dentro do seu sonho.

-- Você é minha alma?

-- Sim.

-- O senhor falou que pulara em um rio. Não me lembro de ter pulado em rios na minha vida.

-- 17 anos. Férias, verão. Lembra-se?

-- Sim, agora me recordo. Você é o meu subconsciente?

-- Não. Sou o seu Consciente contemplativo. E você é o Consciente impulsivo.

-- Quem são os mendigos?

-- Seus outros Eus.

Genésio se levantou.

-- Desculpe vovô, mas detesto piadas.

-- É pena. Adeus.

Genésio apagou.

Genésio acordou

Levanta-se e pensa demoradamente.

Olhou-se no espelho: 30 anos de idade.

Olhou para sua mesa vazia e sem alegria.

Tinha que tomar uma decisão rapidamente.

Pegou o lençol da cama.

Fez o laço

Enforcou-se!

Morte demorada.

Felicidade completa?

Ou o início da caminhada?

Ou então o fim do desespero?

Ou ainda, o começo das Trevas?

Velhos, moços, todos somos insanos.

A vida é chata...

Que importa afinal?

Quem liga, afinal?



4-


Delírios! Eu só escrevo bobagens mesmo...

Sonhos de um alucinado que não sabe o que quer e aonde quer ir. Vê o que ninguém vê. Sente o que outros não sentem.

Esses textos modernos que contém referências a drogas, alucinógenos e coisas do gênero pouco me agradam. Prefiro os loucos e as loucuras normais.

Quem precisa de alguma planta, pó, ácido ou coisa parecida para ver, sentir algo diferente é um tolo. Para sentir algo novo e diferente basta fechar os olhos e criar. Criar, essa é a palavra chave.

Resolvi juntar um monte dessa baboseira alucinógena em um único texto imbecil.

Acho este texto uma porcaria inominável. Dei o nome de Delírios somente para colocar um nome.

Confesso que a loucura, em si mesma, me atrai. Cada pessoa tem um toque de anormalidade.

Afinal, todos nós somos anormais.

Eu, pelo menos, sou o cúmulo da anormalidade. Prefiro mil vezes ser anormal a adotar a normalidade irritante dos nossos dias.

Se Deus é anormal, por que eu devo ser normal?

Gostem ou não é isso o que sou: um anormal, um imperfeito, um doido, num mundo normalmente louco.


Sem data

J




DELÍRIOS DE UM ALUCINADO



Acordou. Teve um sono muito pesado.

Ele se levantou da cama. Boceja.

Olhou para a porta do quarto, que, naquele instante, parecia estar a uns cinco quilômetros de distância.

Dirigiu-se então para a porta

Deu um passo, e a porta parecia que se afastava dele.

Deu outro, e ocorreu, novamente, o mesmo.

Ele achou que estava ficando louco.

A única solução seria um pulo e Ele acaba pulando e agarrando a maçaneta da porta.

Estava um pouco nervoso. Acalmou-se.

Ele tenta abrir a porta, mas a maçaneta se desfaz na sua mão. Parecia feita de... Chocolate? Sim, era de chocolate. Ele acaba comendo a maçaneta. Estava com muita fome e a maçaneta lhe pareceu muito apetitosa.

Ele resolveu, então, arrombar a porta. Deu um pontapé e a porta se desfez em pó.

Então Ele pôde ver o que havia do outro lado daquela porta: uma grande rua asfaltada. A porta conduzia diretamente para uma rua asfaltada.

Ele não compreendeu, mas prosseguiu e pisou na rua, notando que a mesma estava deserta, sem ninguém por perto.

Na rua, somente viu leões, cães, gatos, feras andando, tomando conta daquela Cidade fantástica.

Ao seu lado direito notara a presença de uma esfinge de pedra que rosnava olhando fixamente para ele. Uma estátua de uma deusa grega antiga começou a dançar bem na sua frente. Primeiro ela deu passos de samba, depois iniciou uma dança parecida com a dança do ventre e começou a se despir.

Ao seu lado esquerdo viu uma estátua de bronze fazendo ginástica.

Começou a caminhar novamente.

Ouviu gritos. Uma pessoa caiu de um andar de um prédio logo a sua frente. A pessoa caiu no chão e, ao invés de se ferir, começou a pular como se fosse de borracha até parar ao lado dele, sorrindo: Era uma menina de uns seis anos de idade.

Ela olhou para ele e saiu pulando de novo, como se fosse uma bola de tênis.

Ele olhou para cima do prédio de onde a menina tinha caído e não conseguiu ver o último andar. Parecia ser um edifício alto demais. Ficou curioso!

Esse prédio ficava do outro lado da rua.

Ele olhou para a rua. Passou um carro bem na sua frente. Era um Chevrolet daqueles bem antigos, mas, vinha puxado por seis cavalos. O motorista ia ao volante, dirigindo, enquanto uma passageira saia pela janela chicoteando os animais.

Atravessou a rua.

Olhou para a entrada do prédio. Parecia a entrada de um grande hotel de luxo, tendo um manobrista e um porteiro, os dois vestidos de azul escuro e dourado.

Entrou no hotel, e, dentro deste, o ambiente se transformara abruptamente: Na rua parecia um hotel cinco estrelas e dentro era um mero e singelo açougue.

Olhou para a geladeira que existia logo na entrada onde se exibiam muitas carnes e, para seu espanto, notou que havia também uma cabeça humana que começou a sorrir para ele.

Saiu daquela parte do açougue completamente atônito. Dirigiu-se até uma porta onde estava escrito “Congelador “ em letras de cor lilás.

Abre a porta do tal Congelador e viu, em seu interior, três moças muito bonitas e bem arrumadas, que lhe perguntam: “Vai subir?“.

Era decididamente um elevador.

Ele entrou.

O elevador começou a subir.

Subiu doze andares e parou.

Uma das moças disse: “É o nosso“ e abriu a porta.

As três moças saíram. Ele não conseguiu ver o interior do andar. Estava muito escuro.

A porta se fechou

O elevador retomou a marcha.

Ele começou a reparar no mostrador eletrônico que existia acima da porta: 14... 15... 16... 17...

O elevador foi acelerando

26... 40... 60

Acelerou mais ainda. Ele se grudou à parede.

90... 160... 200... 290... 367... O elevador começou a parar.

412... Parou

Ele abriu a porta do elevador e entrou em um hall, todo decorado com carpete de cor de vinho, com paredes revestidas de madeira nobre, tendo um quadro com o rosto Dele mesmo na parede da direita e um desenho pornográfico na parede da esquerda. Na sua frente havia uma porta de madeira bem escura e, bem ao lado desta, uma mesinha com um livro, provavelmente de presenças.

Ele abriu e folheou o livro onde notou a existência de inúmeras assinaturas estranhas e nomes como Einstein, Nero, Planck, Blake, Poe, Milton, Dante entre outros tantos.

Assinou o livro e abriu a porta, muito curioso.

Era um gigantesco salão de baile.

Era uma reunião indescritível. Todos estavam vestidos com roupas do século XVIII e bebendo muito vinho servido em copos plásticos. Algumas pessoas dançavam, no centro do recinto, ao som de uma orquestra de câmara com cerca de trinta violinos além de outros instrumentos do século XVIII, mas que, para seu espanto, tocava samba e frevo.

Ele não sabia o que fazer ou para onde ir.

De repente, alguém parece que está o chamando.

-- Vem cá – disse uma moça de uns vinte e cinco anos, vestida como uma condessa – chegou atrasado.

Ele estava pasmo.

-- Sei que está deslocado, pois você não conhece ninguém aqui – disse a moça, como se o conhecesse há vários anos.

Ela toma-o pelo braço e começa a andar com ele pelo salão.

Ele nota outras coisas interessantes.

Existiam vários ambientes naquele baile, mas todos eles juntos no mesmo salão: Aqui temos um grupo de homens que jogam cartas, mais adiante três velhos cantavam canções em uma língua que ele desconhecia, um outro grupo dançava, outros discutiam filosofia, artes, ciência e outros assuntos mais. Parecia uma confusão total, uma festa sem qualquer controle. Uma Torre de Babel.

A decoração era pavorosa e absurda: um lustre com tons de rosa, verde-escuro e marrom pendia do teto, velas de todas as cores estavam espalhadas pelo salão, havia nas paredes quadros de inúmeras pessoas desconhecidas, quatro retratos Dele mesmo, vários quadros com cenas de pornografia explícita e quadros de mulheres e homens completamente nus. Havia também várias estátuas de criaturas monstruosas, uma estátua do Imperador Romano Augusto urinando e coçando as nádegas, várias peças de porcelana com figuras de desenho animado como Mickey, Pluto, e Popeye. Era uma loucura completa

Em um canto havia um jovem casal fazendo sexo e um grupo de seis ou sete pessoas, ao redor deles, fazendo apostas.

Havia certas cenas completamente absurdas: um cavalo conversando com um menino de sete anos sobre as Guerras Púnicas, uma estátua de um guerreiro persa declamando Hamlet, um casal dançando sem roupa, seis senhoras de cerca de noventa anos cada uma numa conversa séria e compenetrada sobre a origem do sexo grupal, dois meninos dando facadas em uma menina que, a cada golpe que recebia, morria de rir.

-- Que significa isso tudo? – Ele perguntou.

-- Você criou tudo isso – disse a moça.

Ele pensou durante algum tempo

-- Eu criei você também? – perguntou Ele.

-- Não totalmente, eu também faço parte da sua vida real, mas você não me conhece ainda. Depois que sair desse Mundo, você irá me encontrar – respondeu a moça e continuou – só lhe dou um conselho: Não leve tudo isto a sério e não se apegue a nada do que está aqui incluindo eu. Vou acabar sumindo de uma hora para outra.

-- Por quê? – perguntou

-- É assim. E não se assunte se me ver morta por ai, ou fazendo qualquer coisa de desagradável. Você irá me ver de qualquer modo depois, do jeito que sou. Ponha isso na sua cabeça!

-- E o que eu faço agora?

-- Aproveite o ambiente! Nada poderá te acontecer de mau.

Ele resolve, então, testar o local onde está.

Olha para uma moça que está ao seu lado e fala:

-- Quem é você?

Ao que responde a moça com uma voz bem masculina e tirando uma pistola de brinquedo de dentro da bolsa de palha:

-- Sou Carlão, seu criado. Quem quer que eu mate?

Volta-se para a moça vestida de condessa, mas ela já tinha sumido.

Virou-se para trás

Olhou para um quadro pornográfico que estava na parede bem a sua frente. Era um sexo grupal com, pelo que Ele conseguiu contar, umas doze pessoas. Ele chegou perto da pintura.

No que ele pôs a mão no quadro, uma das figuras do quadro, um homem já idoso, vira-se para ele e diz:

-- Não se pode mesmo ter privacidade, né?

E fechou uma cortina azul que encobriu o quadro todo. Ele ainda ouviu uns gritos vindos de dentro do quadro e expressões como: “Safado“, “Não tem mais o que fazer?”.

Ele começou a se divertir com aquela história toda.

Chegou perto de um grupo de senhores com caras de homens importantes. Parecia que eram os únicos sãos ali.

Mas, Ele estava errado, os tais homens estavam brincando como crianças, ora de esconde-esconde, ora de bolinhas de gude. Pareciam débeis mentais.

Olhou para o lado, e viu uma cena muito interessante: uma moça e um rapaz conversavam animadamente. Ele já até esperava que deveria ser algo absurdo e fora do comum.

Ambos conversavam normalmente sobre amizades, bailes, música, pareciam normais.

Ele se afastou.

Foi quando viu onde estava toda a loucura da cena: O rapaz e a moça haviam se despregado de dois quadros. Eram duas pinturas. Os quadros que os originara estavam com um espaço branco, de onde saíram os dois.

Vira-se e começa a andar pelo salão.

Passou por uma janela por onde entravam raios de sol. Resolveu ver a paisagem. Ele nem se assustou quando viu, por esta janela, uma bela enseada com um imenso mar bem adiante, além de gaivotas, e um pescador logo na frente da janela conversando animadamente com um albatroz.

Seguiu adiante e viu um armário.

Notou que havia ali uma coleção de livros. Puxou um volume. Era em latim. Ele entendia um pouco desta língua, mas não entendeu nada do que estava escrito no livro, pois cada vez que virava a página as letras se alteravam. Em uma das vezes que virou a página, todas as letras fugiram correndo da página da esquerda para a da direita, deixando apenas um ponto solitário na outra página.

Guardou o livro.

Era tudo fascinante. Ele se sentia como em um desenho animado.

Resolveu sair do salão. Viu uma porta.

Abriu.

Saiu para um novo local: Era uma área ao ar livre.

Era uma rua, uma viela daquelas cidades da Idade Média. Era um pouco escura e estava completamente deserta.

Andou por ela até o fim e chegou a uma praça.

Tinha uma Igreja.

Estava tudo muito quieto.

Havia casas, todas com as janelas fechadas. Havia aqui no muro ao lado da Igreja um retrato de John Lennon, e abaixo estava escrito: Vote no melhor. Era um cartaz político.

Não havia nada na Rua, além de muito pó, papel picado, várias moedas e alguns pneus velhos.

De repente, Ele vê um grupo andando. Eram sete pessoas, todas vestidas de preto e de capuz, carregando um caixão aberto, com uma mulher dentro dele.

Ele não conseguiu ver a mulher direito.

O grupo seguia para a Igreja. Pareciam Padres ou Monges.

A cada dois ou três passos, um deles dava um urro bem alto, como se tivesse tropeçado ou levado um chute.

Na metade do caminho eles se puseram a cantar, com vozes de cantores líricos, a música “Come Together” dos Beatles..

Quando chegaram perto da porta da Igreja, pararam e jogaram o caixão no chão, como se fosse uma mala de viagem muito pesada.

Silenciaram e ficaram em fila como um grupo de soldados.

Só ai que Ele percebeu que a mulher no caixão era aquela mesma moça da festa. A tal Condessa.

Ele se desespera.

Não sabe o que faz.

Pensa e reflete.

Ela mesma tinha dito para Ele não se assustar se ela aparecesse morta. Então, Ele deduziu que ela já sabia o que iria ocorrer.

Ele chegou à conclusão que aquela cena também era uma parte do seu Sonho ou parte daquele Mundo cretino. Começou a rir.

Aproximou-se dos sete homens que estavam de capuz e tirou o capuz de um deles, o que acabou desmanchando toda a roupa do homem e acabou por deixá-lo totalmente nu.

O homem era oriental, eunuco e aparentemente mudo. O oriental entrou em desespero e começou a latir.

De repente Ele ouve gritos, algazarra. Uma multidão vem caminhando para o centro da praça gritando.

Em poucos instantes a praça é tomada e ele vê um grupo de pessoas levando um homem para uma espécie de palanque. Ele olhou melhor e reparou que o homem iria ser guilhotinado.

As pessoas levaram o infeliz para o local da sua punição.

Um Padre fala em alto e bom som: “Chamem o Carrasco“.

Ele vê o Carrasco chagando e começa a rir. O fulano é um anão, magro, sem dentes, feio, corcunda, manco, e com mais uns doze defeitos. Não dava para saber se era um homem ou um orangotango.

O Padre fala: “Antes, uma palavra do nosso patrocinador “

Ele acha que o padre ficara louco.

Logo depois do anúncio do Padre, entram seis adoráveis moças cantando uma música publicitária sobre as “Guilhotinas Luiz XIV“. As seis moças traziam nas mãos duas cabeças de pessoas guilhotinadas, que também cantavam.

Depois desse interlúdio comercial, o Padre disse: “Agora a Cerimônia da entrega da Chave do Céu para o futuro defunto, o que será feito pelo nosso Prefeito“

Nisso entra um menino de cerca de dez anos de idade com uma chave de prata na mão, vestido de terno e gravata.

Ele entrega a chave para o rapaz.

Então o Padre fala: “Comecem a cerimônia “

Nesse momento o público se afasta e entra um homem grisalho de fraque, e começa a cantar o hino dos Estados Unidos.

Depois, entram dois homens e sentam ao lado do Padre, ambos com microfones nas mãos e começam a narrar o evento.

Ele se acha logicamente no meio de um circo.

Começa um dos narradores: “Grande público hoje aqui na Praça Central veio prestigiar o grande evento da semana. O grande clássico das Execuções: a morte do assassino de Dona Ana. É uma execução há muito tempo esperada...”.

O narrador continuou, falando do tempo, das condições físicas do Carrasco, que havia sido cortado na semana passada e tinha ficado no banco, do Padre e de todo aquele circo...

Ele resolveu sair daí.

Dirigiu-se à Igreja e entrou.



***

Dentro da Igreja, passou Ele para um outro ambiente: Era um quarto branco.

Agora sim, Ele parecia ter realmente acordado de um sonho. Estava deitado em uma cama.

-- Oi – disse uma pessoa que parecia estar a sua frente.

-- Quem é você?

-- Sou sua enfermeira.

Quando abriu os olhos, viu que era a condessa com quem tinha conversado no sonho.

-- Mas eu conheço você...

-- Talvez. Você fala muito quando dorme. Eu discuti muito com você dormindo.

-- Então era isso...

-- Eu acho que devo ter até influenciado no seu sonho, né?

-- É, mas o que eu faço aqui?

-- Você operou um tumor no cérebro, lembra?

-- Isso parece que foi há dois séculos atrás.

-- Gostou do sonho?

-- Claro. Você estava nele...

-- Eu sei... Mas agora é a realidade que é muito diferente.

-- Você sabe o que se passou comigo?

-- Não. Tudo é sua ilusão, mas eu acho que podemos conversar isto quando você quiser depois que você se curar em um jantar. O que você acha ?

-- É um convite?

-- Sim.



***



Daquele sonho todo Ele só conseguiu se lembrar da existência da Condessa, que é o que realmente lhe importava em todo o Sonho. Seu inconsciente se apaixonara pela enfermeira e a transformara, em seu sonho, em uma condessa, ou seja, Ele já estava apaixonado por ela muito tempo antes do seu Consciente conhecê-la na realidade. E o mais interessante de tudo: Seu amor era correspondido...

Nada mais estranho que a mente humana e as relações humanas. Nada é tão estranho quanto viver. A estranheza é parte da vida, sem ela a vida perde a sua graça.

-- Isso faz parte do sonho? – pergunta Ele

-- Sim, mas agora é a parte real dele – disse a enfermeira e ex-condessa.

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