terça-feira, 2 de novembro de 2010

"Solilóquio Noturno nº. 02", Opus 09 by Fábio Zafiro Filho

Outra noite. Nova jornada para o “sono dos justos”.

Estou aqui deitado em minha velha e confortável cama e volto a pensar. Sim, o velho e bom pensamento. Um dos bens mais preciosos do ser humano.

Para que pensamos? Para que vivemos?

“Para alcançarmos a felicidade”, responderiam alguns. Mas, o que é a felicidade?

Vários pensadores, filósofos, e psicólogos, escreveram inúmeros livros, artigos, e teses sobre isso. Como não sou um intelectual, posso tentar meditar sobre esse tema, e o faço sem maiores conseqüências e responsabilidades.

Então, o que é felicidade?

Quando falamos em felicidade associamos conceitos geralmente materiais e ambições pessoais. Mas, essas associações geralmente se prendem a quatro aspectos principais: ao sexo, à afetividade, ao poder e ao conforto material.

Portanto, segundo boa parte da raça humana, será feliz aquele que possuir um ou mais desses elementos acima mencionados. A mulher que busca a felicidade no casamento procura, na verdade, afetividade, sexo, e, dependendo do caso, conforto material. O funcionário que pretende ver a felicidade em uma promoção busca o conforto material e o poder. E por ai vai.

É um erro acreditar que a felicidade está em algum objeto específico, seja ele qual for. Não é o objeto em si que traz a felicidade, mas sim o sentimento que se desperta em cada pessoa por buscar aquele determinado objeto.

A felicidade, portanto, é uma característica, uma qualidade, um atributo do ser humano.

Temos que diferenciar a felicidade de outros estados que lhe são bem parecidos como a saciedade, a tranqüilidade, a satisfação, o conformismo e a simples alegria.

A saciedade é apenas a satisfação das necessidades dos instintos, incluindo aqui o instinto sexual. Os instintos são as forças psíquicas mais poderosas no homem e a sua satisfação é a busca atávica do ser humano. Quando o desejo sexual é saciado, tem-se uma satisfação, um prazer corporal. Contudo tal prazer é fugaz, porque o processo é sempre cíclico. A saciedade, desse modo, se distingue da felicidade justamente por não ser plena.

A tranqüilidade e a busca pela paz não podem ser confundidas com a felicidade. Estar em paz não é ser feliz ou ter alcançado a felicidade. Pode-se estar em paz, mas ser infeliz. Podemos ser tranqüilos, mas sermos infelizes. Na verdade, aqui há uma inversão, tomando-se geralmente a causa pelo efeito. A formulação mais exata é: A felicidade é que gera tranqüilidade.

O conformismo - a resignação - também não se confunde com a felicidade. A renúncia é um estado de omissão, mesmo que tenha os mais nobres sentimentos. Podemos nos conformar com nossa situação de penúria e, ao mesmo tempo, sermos infelizes. Novamente aqui a inversão de raciocínio: A felicidade é que gera a resignação, a renúncia e isto por ser ela um estado pleno.

A satisfação envolve os anseios do ser humano: relacionamentos, trabalho, saúde, êxito pessoal, é demais aspectos normais da vida humana. Estar satisfeito é ter conseguido o fim a que se propôs: casamento, uma promoção no emprego, a cura de uma doença, uma vitória profissional. Por mais que a satisfação traga alegria, ela não traz, necessariamente a felicidade.

A alegria, por fim, reflete bom humor apenas. Sorrimos e rimos, refletindo nossa alegria para os outros. Mas, ao estarmos alegres e sorrirmos não temos, necessariamente, felicidade. Muitas vezes o sorriso é apenas estético e o riso é tão somente uma máscara para encobrir dores e tristezas interiores. Novamente inverte-se e toma-se a causa pelo efeito: a felicidade gera alegria.

A felicidade está acima de tudo isso! É a causa de todos esses efeitos.

Para atingirmos este estado de êxtase, que é a felicidade, temos que abandonar qualquer noção de objeto exterior. A felicidade se busca no íntimo do ser e não no exterior. É um problema íntimo.

E como atingi-la?

O primeiro passo é justamente ter a consciência exata de que o que se procura não está no mundo exterior. Não procuramos alguém, não procuramos algo. Se não procuramos nenhum objeto exterior para sermos felizes, então o valor deles deve ser redimensionado, para não confundirmos a afeição por simples objetos ou pessoas com a própria felicidade.

A partir do momento de que damos às pessoas, às coisas e ao mundo exterior de um modo geral o seu devido valor sem confundi-los como alvos de nossos anseios para nos tornarmos felizes passamos a observar que não necessitamos tanto do mundo exterior, e que ele é necessário, mas não é um fim em si mesmo!

Não vamos em busca de um relacionamento achando que ele nos trará a felicidade absoluta. Não corremos atrás do dinheiro, poder, fama, e outros bens do mundo humano porque sabemos que eles são úteis, têm seu valor para nós, mas não vivemos em busca deles, como se consubstanciassem a própria felicidade.

Com essa mudança de valores, passaremos a observar mais para dentro de nós mesmos.

Onde achar a felicidade, escondida dentro de nós mesmos?

Depois de eliminarmos a busca por um objeto, precisamos definir que a felicidade não está no fim, e sim no processo, na busca, no caminho.

Se a felicidade não está em um objeto no mundo exterior, ela não está no fim, no alvo a ser alcançado.

Esse é o erro central de quem vê a felicidade no instinto sexual. Uma vez saciado, esse instinto se renova sempre. E o instinto sexual visa necessária e imperiosamente à satisfação, ao prazer sexual. Aqui a ênfase é no objeto.

O mesmo se pode dizer sobre quem vê o objetivo da vida na vontade de poder. O poder é transitório, e não perene e absoluto. Então haverá uma busca incessante por poder. E ai parte-se para o eterno retorno da vontade de poder em um ciclo sem fim. Por mais que essa idéia tenha suas bases no instinto mais animal do homem e seja, em parte, coerente, é certo que o homem que busca vontade de poder poderá ser um homem poderoso, auto-suficiente, mas infeliz.

Por que a felicidade não é um fim e sim um meio? Simples. Se ela for um fim, acaba por ter um termo. Exemplifiquemos: Se a pessoa vê no dinheiro a sua felicidade, ela sempre irá querer mais dinheiro, porque a conquista de um determinado valor esgota a sensação de felicidade.

A felicidade é estar em busca de algo. Mas de que forma fazer essa busca?

Alguns pretendem encontrar a felicidade no meio-termo. É uma resposta parcial, pois, ao mesmo tempo em que há como admitir que não exista felicidade nos extremos, é certo que uma pessoa pode ser infeliz caminhando mesmo sempre pelo meio-termo.

O meio-termo é um conceito muito mecânico para se falar em um estado que é basicamente subjetivo.

Sim, a busca se inicia no sujeito, em quem está procurando a felicidade. É nele que está a chave para descobrirmos o meio onde está a felicidade.

Neste ponto surge uma importante indagação: A Felicidade é absoluta ou relativa? Existe uma Felicidade absoluta e geral ou a Felicidade é relativa e pessoal, sendo diferente em cada pessoa?

A resposta me parece ser um pouco complexa. Existe a Felicidade, como conceito absoluto, abstrato e geral e existe a Felicidade, tomada no aspecto individual, concreto e pessoal. São duas acepções da mesma palavra.

A acepção que nos interessa é a pessoal, relativa, individual e concreta.

Essa Felicidade muda de pessoa para pessoa. As pessoas são felizes de maneiras diferentes.

Geralmente a felicidade está ligada ao elemento afetivo-emocional do ser humano. Ela atinge sua sensibilidade em uma região que envolve o amor fraternal, a religião, as artes, o contato com a Natureza, e outras categorias deste mesmo sistema.

Vejo a felicidade, portanto, como uma sensação de plenitude emocional e espiritual.

Houve no passado quem dissesse que a felicidade fosse uma condição negativa. Sim, ela, na maior parte dos casos, é negativa. Contudo, a busca pela felicidade de uma forma mais correta pode ampliar os seus limites transformando-a de exceção para regra.

Como fazer isso?

Imagine-se que uma pessoa ficou plenamente feliz quando contemplou um horizonte belo ao entardecer. O horizonte não foi a causa da felicidade. Ele apenas a despertou. A pessoa aqui deverá procurar sentir a mesma intensidade de emoção em todas as imagens naturais belas que encontrar. É uma forma de expandir a emoção sentida.

E isso pode ser conseguido em qualquer área que envolva sentimentos, pois felicidade é o êxtase do sentimento. É a plenitude do espírito e da emoção.

Todo tipo de sentimento que nos traz uma parcela de felicidade pode ser expandido. Se eu sinto felicidade quando estou trabalhando em determinada tarefa, posso, gradativamente, me sentir feliz trabalhando em todas as tarefas. Se eu sinto felicidade, quando estou com a pessoa amada, posso sentir felicidade quando estiver com outras pessoas também.

A felicidade, desse modo, está, ao mesmo tempo, no sentimento que o sujeito sente por determinado objeto e no processo que o faz sentir daquele modo. Se ele puder transferir o processo para outros objetos, será feliz em outros momentos da vida.

Sendo assim, a Felicidade pode estar em qualquer canto: Quando uma criança brinca com um peão, quando um namorado beija a namorada, quando um escultor termina uma obra, quando alguém ouve uma música, entre inúmeras e infinitas situações possíveis.

Felicidade é um estado psicológico, é um êxtase de sentimentos. Cada pessoa e responsável pela sua própria felicidade, pois somente ela sabe o que a faz feliz. É um caminho individual.

Concluindo, pelo menos por ora, a Felicidade, para mim (simples pensador notívago e quase dormente) surge como um sentimento de um sujeito por um determinado objeto, mas esse processo, essa busca da pessoa pelo objeto que lhe deixa feliz é transferível e ampliável para outros objetos. A Felicidade reside no sentimento que liga a pessoa ao objeto e na busca pelo objeto.

Aos críticos: Sim, deixei questões abertas. Sim, vou prosseguir nas elucubrações noturnas, mas outra noite. Sei que existem várias questões adjacentes que surgem com esses meus pensamentos vagos. Aguardem!

Vocês me acusam de confuso, obscuro e fragmentário. Sim, é assim que sou. Culpa do Morfeu: O sono não me permite prosseguir e embaralha os meus pensamentos.

Coloquem o meu amigo no banco dos réus junto comigo!

Mas, ele vem chegando...

Depois de tantos conceitos e teses, o grande deus Morfeu vem caminhando com sua legião de soldados romanos com uma bandeira dizendo: “Venha para o meio reino. Lá está a Felicidade”.

Talvez ele tenha razão!

Morfeu é um bom camarada

Despeço-me.

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